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Crônica da semana por Nilton Morselli

Sobre peles e joelhos

Em uma entrevista que fiz com o padre João Francisco, essa figura que a divina providência colocou entre nós, ele disse que quando não puder mais trabalhar, pegará uma trouxinha de roupas e passará o resto de sua jornada terrena no Asilo São Vicente de Paulo. Veja a humildade desse homem: quando não faltariam paroquianos se candidatando a acolhê-lo no melhor conforto, faz votos de escolher o lugar ao qual passou a vida visitando e amparando espiritualmente seus moradores.

Esse diálogo com o sacerdote que nunca arredou pé desta cidade volta à minha memória agora, quando falar em terceira idade é falar de uma parcela enorme dos habitantes de qualquer cidade. Nossa crescente expectativa de vida, com famílias cada vez menores, é preocupação individual, mas também deveria estar no centro das políticas públicas.

Aqui já se prometia, em campanhas eleitorais, a “creche do idoso”. O espaço de convivência diurna, com cuidados geriátricos, alimentação, remédios e passatempos, acabou virando uma clínica dentária – que talvez, ironicamente, nem faça dentaduras.

Mas parece que não estamos mal. No ranking do Índice de Desenvolvimento Urbano para Longevidade de 2020, Taquaritinga tirou o 52º lugar entre 596 cidades com menos de 100 mil habitantes. Os pesquisadores, creio, devem ter visitado o projeto da Evinha Soldi e o programa matinal de alongamentos do Alexandre Campanha.

Segundo reportagem do jornal Tribuna, nosso bom resultado deveu-se às variáveis bem-estar, educação e trabalho e finanças. Já os pontos fracos apontados pelo estudo foram cultura e engajamento e cuidados de saúde. Dá para melhorar. Sempre dá.

O setor público pode, claro, fazer sua parte, assim como as entidades de assistência fazem. O Lar São Vicente de Paulo e a Vila Vicentina Nossa Senhora Aparecida são bons exemplos de iniciativas de amparo aos velhinhos.

Mas não pense que nas instituições do tipo só existem internações compulsórias. Tem gente que vai por opção. Aos 82 anos, o ator Paulo Cesar Pereio, com dinheiro, filhos e casa própria, escolheu passar os últimos dias ao lado de amigos no Retiro dos Artistas, no Rio de Janeiro.

Empreendimentos particulares também se multiplicam na região. Com satisfação, soube que o Dr. Renato Aprígio está construindo uma casa de repouso para idosos. A base da pirâmide demográfica indica que, com certeza, não faltarão clientes.

A velhice ainda é um tabu, sobretudo agora que está na moda o termo etarismo. Nós, os mais jovens, não somos preparados – ou não aceitamos que o outono da vida chegará. Gastamos dinheiro com tratamentos estéticos, mas esquecemos de treinar as pernas. De que valerá uma pele hidratada se os joelhos não funcionarem?

Ainda construímos nossas casas como se a juventude fosse eterna. Mas um dia a escada que leva ao quarto no primeiro andar cobrará seu preço, degrau por degrau. O mais brilhante dos porcelanatos não oferecerá aderência a chinelos cujos pés já não terão a mesma desenvoltura.

A arquitetura tem de levar isso em consideração para que o lar seja um refúgio acolhedor para quem traz consigo o peso nem sempre suave dos anos. Em cada detalhe da construção, desde a entrada até os cômodos mais íntimos, a preocupação em proporcionar não apenas um abrigo, mas um espaço que se harmoniza com a jornada do envelhecer.

Não há supercola que dê jeito em um fêmur a certa altura da vida. Enrolemos, pois, os tapetes deslizantes. Instalemos pisos antiderrapantes. Luzes, devidamente distribuídas, evitam sombras que possam criar obstáculos visuais e monstros que nos tirem o sono.

Nossos banheiros hoje são campos minados, repletos de obstáculos. Alarguemos, então, as portas de modo que permitam a passagem de cadeiras de rodas ou de banho. Corrimãos aliados dão sustentação em momentos em que o simples ato de tomar uma ducha precisa de planejamento. Tudo pensado para que cada passo seja um gesto de independência, um ato de dignidade.

Na sala de estar, uma decoração que combine conforto e praticidade. Que sejam as poltronas escolhidas não apenas pela estética, mas também pela ergonomia, oferecendo suporte para a coluna que carregou tantas histórias. Prateleiras dispostas em alturas acessíveis, garantindo que cada livro seja facilmente alcançado sem a necessidade de subir no banquinho.

Na propaganda dos lançamentos imobiliários, morar bem é ter requinte e algum luxo. O alvo é a galera chamada de economicamente ativa. Mas o que esse mercado não te conta é que os anos passam para todos, e preparar-se para essa nova forma de viver é coisa que se faz desde já. Tenhamos, portanto, a simplicidade e a leveza de um padre João Francisco para planejarmos nossos dias futuros – torcendo para que eles demorem bastante para chegar e que nos apanhem em condições de prolongá-los prazerosamente.

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