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Crônica da semana por Nilton Morselli

A evolução na balança

Especialista em mobile marketing, gestor de mídias sociais, programador de inteligência artificial, analista de big data, cientista de dados. Nada disso. A profissão mais contemporânea do mundo é a de nutricionista, porque representa a evolução do ser humano nos seus aspectos essenciais: biológico, social e comportamental. Você pode passar a vida toda sem ser apresentado ao ChatGPT e até mesmo à internet, mas sem comer ninguém sobrevive.

Há 2,5 milhões de anos, se o homem acordava, já tinha a percepção de que não havia sido devorado por um bicho maior durante a noite. O estômago roncava e nada de o desjejum estar na geladeira, mesmo porque não havia geladeira. O jeito era sair para caçar e ter a sorte de abater um animal grande suficiente para matar a fome –a dele e a da prole.

Corte rápido para o cenário da civilização. Acordamos com fome, e o pão de forma com presunto e queijo nos espera. Ovos mexidos. Frutas. Iogurte. Em vez da lança de pedra lascada, pegamos a chave do carro que nos leva ao trabalho, atividade que nos garante o sustento. Mais do que isso: nos possibilita comprar calorias extras, sem as quais nem barriga teríamos, que dirá uma, duas dezenas de quilos a mais.

Incrível como, nas fotografias antigas, eram todos esbeltos. Ô inveja! Havia alguma coisa que punham na comida dos nossos pais e avós que os permitia comer à vontade, sem se preocuparem com a balança. Desconfio ter existido gerações e gerações de ungidos com o sinal divino “come e não engorda”. Talvez o advento do fast food e dos industrializados tenha feito com os magros o que o meteoro fez com os dinossauros.

Foi aí que entrou em cena a figura do nutricionista, com todas as suas atribuições possíveis, na indústria e no desenvolvimento de gêneros alimentícios. Mas é no consultório que ele assume ares de autoridade de saúde, prescrevendo dietas e orientando –veja só– o que e como devemos comer para ter uma vida saudável. A carreira no Brasil foi regulamentada há pouco mais de meio século, mas segue sendo de longe a mais atual das profissões.

Tudo bem, alguém vai dizer que nunca foi a um consultório de nutrição porque sempre se virou bem na combinação de ingredientes. Sim, nunca faltarão exceções, como os que sabem montar pratos parcimoniosos, mas com tudo o que o organismo necessita para funcionar bem, sem falar nos sortudos que descendem da turma dos ungidos, e os enfastiados, grupo ainda menos numeroso. Porém, a sociedade em geral anda precisando de conselhos alimentares, alguma restrição calórica, além é claro de colocar mais movimento no dia a dia para queimar o excesso. A constatação não é só visual, está numa pesquisa de 2023: mais da metade da população, ou 56,8% têm sobrepeso –IMC igual ou superior a 25 kg/cm2. O índice sobe para 68,5% na faixa dos 45 aos 54 anos.

O nutricionista, em suas variadas áreas –esportiva, materno-infantil, hospitalar, clínica– não deve ser confundido com o nutrólogo, que é o médico com especialização em nutrologia, vertente surgida nos anos 1980. Segundo a Afya Educação Médica, esse profissional diagnostica, trata e ajuda a prevenir doenças ligadas ao metabolismo e à ingestão de nutrientes. É a ciência a serviço da mais primeva atividade humana, a mastigação, em vigor desde quando a primeira ameba saiu da água e veio dar no homo sapiens.

O homem das cavernas, que às vezes voltava para casa sem conseguir uma proteína, nunca precisou de uma balança para pesar a caça e dividi-la em porções. Apesar dos esforços físicos na busca pela sobrevivência da própria espécie, ele e sua família podiam passar dias sem comer até descobrirem-se também herbívoros. Edward, o homem-macaco do romance evolucionista “Porque almocei meu pai”, ficava triste por ter de comer restos de gazelas já mastigados por felinos, mais ágeis do que ele. Hoje consumimos ultraprocessados que já vêm mastigados pelas máquinas. E ainda vamos dormir felizes, com o que chamamos de evolução.

Ilustração: Macrovector/Freepik

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