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Crônica da semana por Nilton Morselli

Palavras ao vento

A cassação do mandato do vereador paulistano Camilo Cristófaro (filiado ao Avante) por racismo, na terça-feira dessa semana, é um símbolo do nosso tempo por dois motivos: 1) não se tolera mais comportamentos do tipo; e 2) decorre de uma fala vazada sem querer.

Cristófaro, de 62 anos, cumpria a segunda legislatura. Em seu site, gaba-se de ter sido o único oficial de gabinete nomeado pelo prefeito Jânio Quadros, a quem chama de “grande mentor”. Aos 18 anos, fundou e presidiu o Movimento Juventude Janista. Daí dá para saber que demorou um pouco para chegar a um cargo eletivo.

Politicamente, é bastante eclético, o homem. Ganhou cargos de segundo escalão nas gestões dos prefeitos Celso Pitta e Marta Suplicy (PT). Foi chefe de gabinete da presidência da Câmara quando presidida por um vereador do PL e continuou no posto sob o comando de PSB e PT.

Em 2016, pulou dos bastidores para o plenário, mas andou colecionando polêmicas com colegas por ter, digamos, a língua um pouco solta. Dois anos depois, perdeu o mandato por decisão do TRE, sentença que foi revertida na última instância da corte eleitoral.

O fato que deu causa à perda da cadeira aconteceu em 3 de maio do ano passado. O vereador disse “é coisa de preto” para se referir a sujeira nas calçadas. A frase foi captada pelo sistema de som da Câmara. Chaves diria “foi sem querer querendo”.

Situações parecidas se avolumaram desde quando, por força da pandemia, passamos a usar meios digitais para participar de reuniões, aulas, audiências judiciais e outros compromissos de trabalho. A falta de intimidade com aparelhos eletrônicos ensejou falas fora de contexto, destilação de preconceitos, ofensas de todo tipo, além de imagens indiscretas.

Tivemos professores passando cantada em alunas, pessoas tirando um cochilo, closes em trajes mínimos, invasão de animais domésticos e crianças nas telas, sons corporais (ainda bem que a internet não tem cheiro), palavrões, caretas, ativação de filtros fofinhos, revelação de traições, misoginia, entre outras situações de constrangimento. Muita coisa virou meme.

Mas tem outras que ultrapassaram o terreno da gafe e invadiram a seara do crime. Destilar ódio e racismo, por exemplo. Nossas incursões pelo mundo virtual provaram que a presença física parece acionar um gatilho que limita determinadas bobagens, impede que uma ideia torta migre da cabeça diretamente para a boca. O respeito é bom e, às vezes, conserva os dentes.

No ambiente virtual, indicam os fatos, esse mecanismo falha. Muita gente andou revelando o que realmente pensa quando imagina que o microfone está desligado. Mas a voz não só viaja na velocidade do som, como fica gravada nas plataformas. Sobretudo nessas circunstâncias, recolher palavras é missão impossível, e nem sempre o pedido de desculpas é o bastante.

Mas sou um otimista. Talvez as tecnologias de comunicação que cercam o homem moderno acabarão por nos forçar a limpar os nossos pensamentos, porque “a boca fala do que está cheio o coração”, como ensinou o apóstolo Mateus. Um cérebro alimentado com asneiras em algum momento certamente vai soltá-las, até mesmo na frente das crianças. Geralmente, o estrago é grande – maior para o autor da blasfêmia do que para o seu alvo.

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