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Crônica da semana por Nilton Morselli

Cadê o dinheiro

Embora tenha sido lançada há três anos, a nota de 200 reais para mim era um mistério; já andava até duvidando de sua existência. A suspeita acabou essa semana, quando pela primeira vez recebi, não uma, mas duas ao fazer um saque em uma casa lotérica. Elas nem chegaram a alegrar minha carteira, porque em poucos minutos as repassei à pessoa de quem havia feito uma compra.

Poderia ter efetuado o pagamento por Pix, mas o vendedor disse que não tinha uma chave cadastrada. Poderia ter dado um cheque, porém, há pelo menos quinze anos não emito mais esse tipo de ordem de pagamento ao portador. Também não era o caso de passar cartão – de crédito ou de débito. O jeito foi sacar dinheiro, coisa que já perdi o costume de fazer.

Até alguns anos atrás, o papel-moeda predominava nas minhas relações de consumo. Hoje, não mais. O “dinheiro de plástico” e o Pix hoje são hegemônicos. O processo de transição foi tão natural que nem percebi. Azar de quem me pede algum trocado na rua, porque nem as onipresentes moedinhas agora têm lugar na carteira.

Perguntei a algumas pessoas do meu convívio se com elas acontece a mesma coisa. Sim, acontece. Também questionei um comerciante, que me garantiu que a forma de pagamento menos comum em seu estabelecimento é o “dinheiro vivo”. Diante das respostas, é possível intuir que as cédulas em breve espaço de tempo entrarão em extinção.

Se isso realmente ocorrer – assim como já foram vítimas o telefone fixo, os fogões com abas laterais e as TV de tubo –, não sentirei o impacto, pois já passei da fase de transição. As tecnologias que substituem as cédulas são mais práticas e higiênicas. Se bem que dinheiro sujo, mas sujo mesmo, é algo que transcende o invisível mundo dos germes e se materializa nas “tenebrosas transações” que lemos nos jornais.

O fim do dinheiro de papel talvez seja ruim principalmente por um motivo: nunca mais sentiremos o prazer dos 50 reais esquecidos no bolso do paletó e encontrados no dia em que a peça era retirada do guarda-roupas, seis meses depois. Uma vez, juro, encontrei numa gaveta um cheque pré-datado de 150 reais que havia recebido anos antes. A empresa nem existia mais. Saí no prejuízo.

A sobrevida das notas se dará por conta das pessoas poucas afeitas à tecnologia bancária. Ainda são muitas as que preferem pagar do modo, digamos, antigo, temerosas de serem vítimas de saqueadores virtuais. Nem filas demoradas para pagar uma conta as convencem. Há também os que vivem à margem do sistema bancário, por opção ou falta do vil metal.

Jogue a primeira pedra quem nunca foi protagonista da piada segundo a qual o problema do pobre era “trocar o cinquentão”. Na verdade, não era piada. Você ficava com a “onça” na carteira uma semana. Aí pagava alguma coisa de 10 reais com a nota de 50 e ficava com os 40 de troco. Em questão de minutos – tcharam! – estava “duro”. Parece que as quatro cédulas de 10 ou as duas de 20 caíam no buraco negro que existe em toda carteira ou em qualquer bolso. Em virtude da inflação, já dá para atualizar a anedota, substituindo o cinquentão pela nota de 100 pilas.

A sociedade está bastante acostumada com o Pix, que caiu no gosto do brasileiro. Mas em 2024 deverá chegar outra novidade, o Drex, antes chamado de Real Digital. Será uma versão virtual do papel-moeda, uma representação digital das notas. Drex é sigla de digital, real e eletrônico – o “x” está aí só para dar uma pronúncia mais sofisticada.

O objetivo do Banco Central é permitir que os brasileiros façam operações como empréstimos, pagamentos, investimentos e transferências na moeda digital. Será o irmão mais novo do Pix, com funcionalidades extras. É o mercado financeiro em franca mudança para facilitar a nossa vida.

Como não dá para negar que “dinheiro na mão é vendaval”, o inseparável celular com os aplicativos dos bancos é uma tentação, assim como o cartão de crédito. O jeito é usar com moderação, porque dinheiro, de papel, de plástico ou digital, “não aceita desaforo”. Os ditados populares sobre dinheiro, com o perdão do trocadilho, são impagáveis.

Já que o assunto é esse, uma notícia fresquinha para encerrar: o presidente Lula aproveitou a reunião dos Brics, na África do Sul, para anunciar que os países membros do bloco (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) resolveram criar uma moeda para facilitar as trocas comerciais. A unidade monetária de cada país será mantida, para sorte do Drex, que ainda nem nasceu.

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