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Crônica da semana por Nilton Morselli

Ansiedade sem limite

Como bom ansioso, fico imaginando como seria a minha primeira viagem em um navio de cruzeiro. A maioria deles tem estrutura de shopping, serviços de hotel de luxo e gente de todos os tipos, tamanhos e comportamentos. Para começar, pagaria em doze prestações, que terminariam antes do embarque, porque não é legal pagar por um prazer depois de desfrutá-lo, pior ainda se sair alguma coisa errada – lembrar dessa coisa errada a cada fatura do cartão de crédito seria uma tortura.

Como os ansiosos são em geral criativos, o cérebro apresenta logo duas situações possíveis, uma otimista e outra nem tanto. O embarque, claro, seria em clima de alegria. Naqueles trajes de turista, eu só enxergaria pessoas bonitas e sorridentes passando entre a tripulação a dar boas-vindas. Pensaria: eu moraria aqui tranquilamente pelo resto da vida.

Seria conduzido ao quarto por uma linda camareira, que me chamaria de senhor (diria que não precisa me chamar de senhor), passando por cabines com janelinhas para o mar. Ao chegar à minha, abriria a porta com um cartão magnético. Instalaria minha mala e constataria que meus aposentos não oferecem essa vista maravilhosa, mas tudo bem, isso eu já saberia quando optei pelo pacote mais em conta. O que me deixaria um pouco frustrado seria o tamanho do cubículo. Meus botões me diriam que eu poderia sofrer um ataque de claustrofobia.

Imediatamente sairia em busca de diversão para não perder um minuto do passeio. Ouviria a voz do comandante no alto-falante, informando que “a melhor viagem da sua vida começa agora”. O capitão mal acionaria os motores da caranga marítima e meu estômago viria parar na altura da tireoide, fazendo-me lembrar até do que comera no Natal passado.

Daria meia volta para pegar um Dramin trazido na bagagem. Caminharia, com a sensação de que o chão à minha frente se abria, rezando para não ter esquecido o remédio. Não, não teria cometido essa falha. Tomaria o comprimido e me deitaria um pouco até que fizesse efeito. Em meia hora, o mundo pararia de rodar e eu estaria pronto para dar início aos três dias de felicidade, em que faria valer cada centavo investido.

Nesse momento, já estaria de sunga, pronto para curtir a piscina. Tomaria uns drinks, aproveitando o dia de sol e o labirinto voltado ao lugar de costume. Mas o meu cérebro, esse estraga prazer, me lembra que a piscina poderia estar cheia de crianças fazendo bagunça, além de xixi, e jogando água para todos os lados. Seus pais estariam longe, ocupados com a diversão, e completamente alheios àquelas malcriações.

Para fugir dos moleques, me enxugaria. Ou melhor, certamente me esqueceria de pegar a toalha, o que me obrigaria a ficar em pé no sol até a água secar, suportando um vento gelado a bombordo. Procuraria um restaurante para aproveitar o serviço all inclusive, aquele em que pagamos tudo antes de usar, e azar de quem não usar. Mas, óbvio, deveria ter evitado aquele camarão à provençal. O sacolejo do navio me levaria de volta ao cubículo, onde o cansaço me alcançaria. Acordaria no dia seguinte, pleno de vigor e com desejo de diversão.

Iria para o desjejum e encontraria à mesa um banquete nunca antes visto na história deste vivente. Que ficaria, é claro, com a sensação de que engolira um boi. Com chifre e tudo. O almoço seria outro rega-bofe pantagruélico se não fosse o exagero do café da manhã. Prometeria a mim mesmo que não mais pularia a principal refeição do dia.

À tarde, o navio atracaria na Cidade Maravilhosa. Jamais perderia a oportunidade de estar nos mais famosos pontos turísticos do país. Mas o meu cérebro já me recomendaria fazer mil planos para evitar o furto do celular e da carteira. Cuidado com balas perdidas, advertiria novamente o meu córtex direito, ao que eu responderia: sai pra lá com esses prejulgamentos. O Rio não merece essa fama.

À noite, o destino seria a pizzaria do navio. A decoração inspirada na Toscana faria me sentir na Itália e, por outro lado, me lembrar dos avós que fizeram a travessia em navios igualmente atulhados de gente, mas bem menos elegantes e opíparos. É para lá que eu iria, sem a menor dúvida, em busca de alguns sabores e prazeres. Mas o mínimo balanço daquele gigante dos mares, de novo, me daria enjoo. Saco! Prometeria tratar disso com um médico assim que pisasse em terra firme, lugar que quem enjoa até em escada rolante nunca deveria tirar os pés.

Restar-me-ia o último dia da viagem e ainda não havia pisado na sala de jogos, na boate e na sala do comandante. Claro, também gostaria de fazer a famosa foto do Titanic, imortalizada por Jack e Rose na cena icônica. Mas não rolaria por falta de companhia. O plano de conhecer uma mulher interessante no navio não rolaria, porque ninguém olharia para alguém esverdeado e que enjoa até em escada rolante. A conclusão, enfim, seria a de ter entrado numa barca furada. Cancelei o sonho do transatlântico. E passei a planejar, é claro, ir para Ubatuba.

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