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Crônica da semana por Nilton Morselli

Velhos costumes e o Réveillon dos Vovôs

 

Alguns costumes se derretem no ar, perdem força com o passar do tempo. Qualquer um de nós, por mais jovem que seja, pode citar um punhado deles, ainda mais agora com as coisas que vão e vêm ao ritmo das informações e deformações que a internet e seus inúmeros canais despejam sobre a sociedade.
A leitura de jornais antigos, um hábito que ajuda a entender como se comportava a sociedade de outrora, mostra um hábito no mínimo curioso, que caiu de moda. Quando um profissional mudava de cidade, comprava um espaço – ou lhe era cedido – para publicar a despedida.
Dois exemplos, tirados da coleção do “Nosso Jornal”, semanário que já não circula, de 4 de abril de 1965: “Devendo transferir, no próximo dia 10, minha residência para Jales, aproveito para despedir-me de todos os meus amigos. Agradeço a todos, especialmente à classe médica desta cidade, colocando minha nova residência, na Avenida Francisco Jales, 987, à disposição de todos que me honrarem com sua visita.” Assina o Dr. Iorando Tokimatsu.
Outro: “Devendo fixar residência em Araçatuba e não me sendo possível despedir de todos os amigos, faço-o por intermédio do ‘Nosso Jornal’, ao mesmo tempo em que me coloco à disposição de todos, na rua 1.º de Maio, 122, naquela localidade”, mandou publicar Levy Lenarduzzi.
As notas às vezes começavam informando que, em busca de ampliar os horizontes profissionais, o médico, o advogado, o engenheiro, enfim, o signatário estava rumando para cidade tal, geralmente maior. Em alguns casos, anunciava-se até o novo endereço, com recomendações de que a casa estaria aberta aos amigos que porventura aparecessem para uma visita ou necessitassem de seus préstimos.
Seguiam-se palavras de agradecimento por tantos anos de boas relações comerciais, que jamais seriam esquecidos. Era uma forma cordial, mas ao mesmo tempo esperta de dizer que a mudança significava ascensão e que não se estava fugindo de alguma coisa, num tempo em que fugas na escuridão da madrugada deixavam credores enlouquecidos.
(Para ilustrar um caso concreto de fuga: simpático e sedutor comerciante da principal rua da cidade esvaziou a loja de roupas e sumiu. Os funcionários que chegaram para o dia de trabalho deram com a cara na porta. O interessante é que ninguém viu a movimentação, que decerto mobilizou no mínimo um caminhão.)
Voltando à gente honesta, que rumava para outras paragens à luz do dia, dizem à boca pequena que um senhor, que gozava de grande respeitabilidade nos mais altos círculos, decidiu se mudar para longe por um motivo inusitado. A filha teria se envolvido com um homem casado, o que na época era um escândalo. Diga-se, ainda hoje não é coisa bonita. A mudança seria por vergonha e para afastar a moça da tentação.
Mas nada que se compare com a nota, compilada pelo escritor José Cândido de Carvalho, com o título “Não vem de amor que eu já fechei o ponto”: “Por essas e outras é que Taumaturgo de Azevedo, caixeiro-viajante de uma firma paulista, encerrou sua carreira amorosa em carta circular que expediu para todas as suas bem-amadas. Trecho da circular de Taumaturgo: ‘Eu, Taumaturgo de Azevedo, entrado na idade da paz e da água fresca, solicito encarecidamente que não me procurem mais. Já montei mais de dez casas para minhas amadas, perdendo todas elas, desde as amadas aos respectivos recheios, isto é, móveis e utensílios. Agora, fecho o assunto para a entrega da chave'”. Danadinho esse Taumaturgo, não?
Para encerrar, uma notícia também publicada no extinto “NJ” em outubro de 1964, sob o título “Comemorações do Ano 2000: Itatiba irá celebrar condignamente a entrada do ano 2000. Para isso já formou uma comissão composta de 100 pessoas para organizar os festejos e solenidades a serem realizadas na noite de 31 de dezembro de 1999. Fazem parte o Juiz de Direito e Promotor de Justiça, advogados, comerciários, professores, médicos e três sacerdotes. Em documento, registrado em cartório, consta que só poderão participar dos festejos pessoas entre 60 e 90 anos de idade. A partir de janeiro de 1995, cada um dos que assinaram o documento, e que ainda estiverem vivos, terão de contribuir com 1% do seu salário mensal, até 31 de dezembro de 1999, para o custeio da festa”. Essa “cápsula humana do tempo” mais parecia uma aposta para ver quem estaria vivo 36 anos depois. Só por curiosidade, será que rolou o Réveillon dos Vovôs?

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