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Pandemia: ‘Há três caminhos possíveis’, diz Dr. Daniel

Infectologista da Santa Casa e presidente da Comissão de Controle de Infecção Hospitalar fala sobre o atual cenário e as perspectivas da pandemia

Como o senhor analisa o atual cenário da pandemia da Covid-19?

DR. DANIEL – Nós estamos na quarta onda da pandemia, causada pela variante Ômicron, já no momento de desaceleração de novos casos. Passamos o pior momento dessa quarta onda até o meio de janeiro. Temos também uma diminuição, discreta ainda, das internações, lembrando que nas internações graves por Covid o paciente fica muito tempo em UTI. Então, é a última coisa que a gente vai ver é a diminuição das internações. Acredito que foi até pior do que o início de 2021, mas muito diferente, quando a gente analisa as internações. Houve uma incidência de casos novos muito maior que em 2021, mas com bem menos internações. Mas também teve óbitos. É bobagem achar que a variante Ômicron é boazinha, muito pelo contrário, causou uma disseminação muito grande, e o que realmente segurou os casos graves foi a vacinação e o número de pessoas previamente infectadas, que causa o bloqueio contra o vírus para os casos graves.

Com referência às internações, complicações e até os óbitos, eles estão ocorrendo em consequência da falta de vacinação ou por outros fatores?

DR. DANIEL – Acho que é um conjunto de fatores. Primeiro que a grande maioria da população é vacinada. Quando a gente analisa números absolutos, percebe-se que a maioria dos pacientes internados é vacinada porque os vacinados são maioria na população. O principal sucesso da vacina é evitar formas graves, mas vai evitar a forma grave em toda a população? Não, mas na grande maioria. Basta analisar o número de internações que a gente teve em 2022 e comparar com 2021. A diferença é brutal. No ano passado, tivemos muito mais óbitos, muito mais internações. O número de casos novos foi muito maior do que em outros anos e mesmo assim a gente teve menos internações. Isso mostra o sucesso da vacinação. Os outros fatores estão relacionados às outras doenças preexistentes. A grande maioria da nossa população não tem um controle adequado na prevenção das doenças crônicas, como hipertensão, diabetes e obesidade. Isso faz com que a incidência de óbitos seja maior.

Qual é a sua opinião sobre uma quarta dose da vacina para todos, já que os imunossuprimidos já estão tomando?

DR. DANIEL – A quarta dose já se iniciou para pa- cientes imunossuprimidos e deve se iniciar agora em abril para pacientes idosos, os grupos prioritários. Acho que antes da quarta dose a gente tem que priorizar aqueles que não tomaram a segunda e a terceira doses, e aí pensar na questão da quarta dose, que é uma estratégia interessante. Principalmente para as infecções virais, as vacinas têm um período de imunidade curto, ao contrário do que ocorre com as vacinas da febre amarela e do tétano, por exemplo. É como a vacina da gripe, que tem que ser feita todo ano porque o vírus sofre mutações e a vacina precisa ser atualizada. Então, a quarta dose depois de quatro ou cinco meses fornece o que a gente chama de booster, é um reforço importante para os anticorpos e também para estimular a imunidade celular, o que eu acho que vai ser muito válido para o combate a essa pandemia. Mas, em paralelo, há pesquisas com novas vacinas que possivelmente façam uma proteção contra a doença de uma maneira mais eficaz do que as vacinas atuais, que já salvaram muitas e muitas vidas, mas ainda a gente tem os números de infecções crescentes por conta das variantes que vão surgindo cada vez mais.

O senhor, que conhece a realidade de outras cidades, acredita que cada uma tem sua particularidade ou são semelhantes as circunstâncias relativas a tratamento, vacinação, etc?

DR. DANIEL – Em relação às cidades em que trabalho – Monte Alto, Jaú e Taquaritinga –, as realidades e os problemas são muito parecidos, e as soluções encontradas também. Vejo Taquaritinga com uma cidade que se estruturou bem em relação ao atendimento da Covid-19, tanto no pronto atendimento quanto no âmbito hospitalar. A gente tinha praticamente uma enfermaria toda e uma UTI própria. Em relação a tratamento, o que existe de fundamentado é o tratamento hospitalar, que é o fornecimento de oxigênio quando necessário, o corticoide, a anticoagulação profilática, a fisioterapia e, quando necessita, ventilação mecânica, a antibioticoterapia quando tem infecção bacteriana. Basicamente é isso. O tratamento do paciente crítico já é bem uniforme, todos os hospitais fazem da mesma forma. Eu nunca fui adepto a tratamento precoce, com essas drogas que são divulgadas desde 2020. A gente foi vendo que essas drogas no mínimo não fizeram diferença. Respeito muito quem prescreve, mas para mim, individualmente, acho que é algo que não fez diferença. Em muitas cidades vi muitas pessoas adeptas ao tratamento precoce e outras não. Não foi isso o que mudou, porque a mortalidade nas cidades é muito parecida.

Quais são as perspectivas e previsões futuras do novo coronavírus?

DR. DANIEL – É muito difícil responder a essa pergunta porque toda vez que a gente faz uma previsão, ela não acontece. A gente está vivendo como se fosse uma guerra, há dois anos e pouco. Eu particularmente acreditava que duraria três meses, depois achei que iria durar seis meses, depois achei que um ano, e jamais acreditava que persistiria em 2021. Já estamos em 2022 e com casos nessa intensidade. Não caio mais nessa de fazer previsões, o que eu costumo orientar os colegas que não são infectologistas e os residentes na cidade onde moro, Jaú, é que a gente tem que acordar todo dia e cuidar dos pacientes, orientar, estar do lado certo da história e trabalhar cada vez mais para que menos pessoas adquiram esse vírus. Além disso, foco na prevenção e uma adesão aos tratamentos de doenças crônicas para que o paciente tenha um controle maior da sua doença. Quanto ao futuro do vírus, existem três caminhos possíveis: que surjam novas variantes, cada vez menos letais, com uma barreira imunogênica e uma barreira de pessoas já com uma maior imunidade, por vacina ou pela doença, que faz com que o vírus seja cada vez menos letal. O outro caminho é o surgimento de uma variante mais letal, como aconteceu no começo de 2021, a Gama, de que poucos falam, mas foi a variante mais letal de todas, muito mais que a Delta. O outro caminho é, realmente, o fim da pandemia, em que eu acreditava mais algum tempo atrás e hoje um pouco menos. A disseminação da doença foi tão grande que vai acontecer uma coisa: o esgotamento de suscetíveis. Não vai ter mais pessoas suscetíveis a adquiri-la, como aconteceu com o SARS-Cov-1, em 2003, cujo vírus desapareceu. Essa é uma possibilidade, mas que acredito cada vez menos. Acredito muito mais que a gente vai ter surtos localizados de variantes com menos mortalidade. Nesse caso, a Covid vai sendo encarada como uma doença respiratória e com um número menor de pessoas infectadas.

Entrevista concedida para o “Saúde Sempre”, informativo do Plano de Saúde Santa Casa.

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