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Crônica da semana por Nilton Morselli

Na despedida

Voltando do velório do pai, a moça diz para a mãe que naquele dia pôde saber quem de fato era ele. A mulher até diminuiu a velocidade do carro e olhou de lado, como que pedindo mais detalhes.
– Algumas pessoas vieram me consolar, mas a verdadeira intenção era falar sobre meu pai.
– É mesmo, filha? Tinha tanta gente, não é? E o que as pessoas disseram?
– Uma mulher, que nem sei o nome, uma que estava com roupas muito simples, contou que, por um tempo em que a situação da sua família não era boa, ele levava uma cesta básica todos os meses.
– Ah, sim, deve ser uma das senhoras que moram numa comunidade carente. Seu pai e um grupo de amigos se juntavam para dar alguma assistência material lá.
– E teve uma outra, essa já idosa, que disse que certa vez meu pai conseguiu uma consulta médica para o filhinho dela que estava muito doente. Essa senhora até chorou, lembrando que se o rapaz está vivo é graças a ele.
– Na verdade, graças a um cardiologista amigo dele, que sempre atendia seus pedidos. Eles foram companheiros de futebol. Só não foi ao velório porque estava participando de um congresso na Europa. Mas mandou uma mensagem.
– Mãe, um rapaz me disse que o papai arrumou o primeiro emprego da vida dele, num momento em que seus pais passavam por dificuldade. Disse que hoje é dono um escritório e, lembrando desse gesto, sempre dá oportunidade para jovens aprendizes.
– Essa história eu não sabia.
– E você sabia que ele ajudou um moço a concluir a faculdade? É um advogado, que deve ter menos de 40 anos. Contou que havia perdido o emprego justamente no último ano do curso e ia trancar, mas o papai pagou os oito meses de mensalidade restantes.
– Acredito que seja o Dr. Paulo. Na época, eles trabalhavam na mesma empresa. Seu pai só me contou isso na formatura do Paulo.
– O tio Juca estava inconsolável. Me disse que o papai era o irmão preferido dele e que o papai só se casou depois que todos os irmãos mais novos estavam crescidos. Disso eu já sabia. Mas não sabia que ele às vezes deixava de comer para os pequenos terem alguma coisa no prato.
– Sim, é verdade. A sua avó ficou viúva muito cedo e seu pai assumiu o lugar do pai, começando a trabalhar aos 12 anos de idade.
– Até o padre Léo veio me contar uma coisa.
– O que ele disse?
– Que o papai dava socorro espiritual para algumas famílias, a pedido dele. E fez isso com muita discrição, durante muitos anos.
– Ah, é verdade, filha, fui junto várias vezes. Mas isso foi quando você era criança. Depois o padre Léo mudou de paróquia.
– E o pessoal do centro espírita também veio dizer que ele era um colaborador ativo.
– É mesmo?
– Outros disseram que ele sempre tinha a palavra certa para determinadas situações. Que foi um amigo leal, um conselheiro, que sempre estava de bom-humor.
– Nossa, filha, que bom ouvir isso! Teve uma vez em que ele também ficou desempregado, mas não se desesperou. No mês seguinte, já conseguiu outro trabalho. Depois, ingressamos juntos na mesma empresa, onde ele se aposentou.
– Mãe, ele era muito apaixonado por você! Ele me disse isso algumas vezes, mas eu percebia pelas atitudes. Você foi o par ideal dele, apesar da diferença de idade. Você sabia tudo da vida do papai?
– De algumas coisas, sim. Mas seu pai foi muito discreto nos gestos de caridade que praticava.
– Eu sabia que ele tratava bem as pessoas e os animais, mas não fazia a mínima ideia de tudo o que ele fez. Que droga tê-lo conhecido de verdade justo no dia da despedida, entre lágrimas de tristeza e de emoção.
– Você é muito jovem. Simplesmente, talvez não tenha reparado, porque esses gestos eram naturais e ele fazia questão de que ninguém soubesse.
Chorando, a filha concluiu:
– Uma pena ele ter partido. Quero ir todos os dias ao cemitério para rezar por ele.
– Menina, agora temos de olhar para frente e seguir fortes. A maior homenagem que você pode fazer é honrar o legado de amor deixado pelo papai. A melhor prece é fazer algo pelo semelhante, seguindo o exemplo que ele nos deixou.

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