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Crônica da semana por Nilton Morselli

Ter carisma ajuda, mas não é tudo

Em razão das circunstâncias, a campanha eleitoral de 2024 estará nas ruas bem antes do normal. Além dos candidatos a prefeito, milhares de pessoas Brasil afora irão concorrer a vagas nas câmaras municipais. É uma disputa apertada. Por isso, sai na frente quem é político em tempo integral. E, para isso, não é necessário estar ocupando mandato. Ser político é, antes de tudo, um estado de espírito, é querer participar das decisões e ajudar a sociedade de alguma forma.

A Lei Eleitoral proíbe a propaganda antecipada – ressalvadas as ações oficialmente reconhecidas como de pré-campanha. Mas ser uma pessoa simpática nunca foi proibido, e isso é uma vantagem e tanto. Num país que privilegia a camaradagem, a figura do brasileiro cordial identificada por Sérgio Buarque de Hollanda surge em qualquer pleito com especial importância. Mas em nem um planeta deste sistema solar o carisma é garantia de honestidade e competência – você certamente já ouviu falar do cara que, sorrindo, faz as piores coisas.

Em ano de caça aos votos, não é tão difícil identificar o verdadeiro e o falso simpático. É um exercício possível em meia hora de caminhada, tempo suficiente para cruzar com alguns que já estão revelando a vontade de lançar-se na carreira política. O cara(-de-pau) que jamais lhe deu bom-dia chega todo risonho e puxa uma conversa usando como deixa a última informação que teve sobre você, nem que o fato tenha ocorrido muito tempo atrás. Há os que exageram na intimidade e perguntam pelo pai, ignorando que aquele eleitor é órfão desde criancinha.

O candidato que força simpatia começa a frequentar velórios com a assiduidade das carpideiras veteranas e até se coloca à disposição da família, não sem antes dar uma espiada na plaquinha afixada na entrada para saber detalhes elementares, como o nome do falecido. O limite da desfaçatez é o discurso improvisado à beira do caixão, geralmente destacando qualidades que nem o defunto sabia ter. A viúva até engole o choro quando ouve adjetivos como marido carinhoso, pai presente e exemplar chefe de família.

É o mesmo que vai à missa só para, ao sinal verde do padre, estender a mão aos que estão à esquerda, à direita e nos bancos de trás e da frente. Acena a todos que a vista alcança. Sem conhecimento da liturgia, entra em êxtase quando ouve a rogativa “concedei-nos o convívio dos eleitos”, pensando ser uma mensagem divina dirigida a ele. Eis o “candidato caô” imortalizado no samba de Bezerra da Silva. Não é que apenas produz fake news. É um fake ambulante.

A figura do verdadeiro simpático que se lança na disputa é bem diferente. É o sujeito que desde o berço tem o poder de agradar com gestos e palavras e, de repente, percebe que isso pode ser traduzido em votos. Se a personalidade dessas pessoas lhes garante vantagem no corpo-a-corpo – expressão usada para designar o contato com os eleitores –, não é o bastante para assegurar a vaga. Além de consumir solas e solas de sapato, uma campanha bem-feita exige algo mais.

Como qualquer voto é bem-vindo, pedi-lo em todos os lugares e a todas as pessoas (as exceções ficam por conta do bom-senso) é imprescindível, até mesmo onde o candidato não transita com tanta intimidade. Mas, por favor, nunca peça um “votinho”, no diminutivo, como me fez um rapaz, como se implorasse por uma migalha. O voto é o grandioso instrumento da democracia.

Em matéria de agregar apoios, é importante manter uma rede de contatos muito anterior à eleição – afinal, uma candidatura de sucesso exige planejamento de longo prazo. O engajamento orgânico nas redes sociais pode ser uma demonstração de força, mas por si só não se traduz em êxito nas urnas. “Amassar barro” ainda é a estratégia mais eficaz.

Quem pleiteia um cargo eletivo – qualquer um – deve estar preparado para tomar muitos cafezinhos frios, fazer vista grossa para canecas encardidas e encarar aquele sarapatel de domingo passado como se fosse um banquete. Afinal, não convém fazer uma desfeita justamente na casa do eleitor.

O marketing político recomenda não exagerar nas promessas, porque o eleitor não é bobo. Os cidadãos mais conscientes sabem, por exemplo, que o papel do vereador é limitado por força da legislação, embora complexo para os que efetivamente desejam ir a fundo em questões relevantes, muito além das trivialidades.

Os ocupantes do Legislativo estão impedidos de legislar sobre matéria financeira. Isso quer dizer que não podem apresentar projetos que impliquem gastos para o Executivo. Embora isso seja uma verdade, o parlamentar municipal não está dispensado de fazer bons projetos, fiscalizar os poderes, analisar contas, ouvir os moradores e representá-los nas sessões, criar leis necessárias e depois exigir sua aplicação, entre outras prerrogativas.

Para fazer jus à integralidade do subsídio mensal, o vereador participa das sessões plenárias. Mas não pense que fica só nisso. O compromisso com o mandato é diário, e nas pequenas cidades eles são procurados – e encontrados – a todo instante para alguma demanda. É preciso estar preparado para cobranças e para driblar eventuais solicitações descabidas.

Se o tapinha nas costas, o abraço e o aperto de mão são autênticos ou parte de uma encenação, cabe ao eleitor identificar. Porém, mais importante que isso é votar em quem tem histórico de honestidade na vida privada, faz alguma coisa boa mesmo não investido em cargo público ou, no caso de quem pleiteia a reeleição, ter demonstrado ética e compromisso com o dinheiro público.

Imagem: BOKEH STOCK/Shutterstock

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