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Crônica da semana por Nilton Morselli

De repente, Natal

Ando pelas ruas em noite de movimento um pouco abaixo do normal e vejo algumas lâmpadas piscantes que me lembram uma data, tão próxima no calendário e tão distante do coração. Entristece-me a constatação de que o Natal ainda não está dentro de mim. Como não, se todo ano tem Natal?

Então passo a pensar de que maneira ele entra e vai embora de nós –se aos poucos ou abruptamente. Se ainda antes do Ano-Novo ou na primeira semana de janeiro, à chegada dos primeiros impostos. Ou ainda quando se ouve ao longe o esquentar dos tamborins para o Carnaval.

Não, a magia do Natal nunca dura até a festa em que geralmente as pessoas trocam o Rei dos céus por um rei gordo e caricato. Não que a alegoria de fevereiro seja a culpada. É apenas a continuidade da vida em sociedade, assim definida por criativos mecanismos de sobrevivência coletiva, geralmente movidos a dinheiro.

Atribuir a eventos externos o que se passa nos escaninhos da alma é um autoengano que conforta. O vazio que a todos visita de vez em quando é preenchido, por exemplo, com o exercício de consumir e consumir, de preferência aquilo de que não necessitamos. Nas engrenagens do progresso, o supérfluo é o que dá mais prazer, mesmo que tenhamos de nos lançar a cargas extenuantes.

O Natal vai perdendo sua força como resultado da nossa impermanência no essencial e também das vezes em que, entorpecidos pelas tarefas cotidianas, esquecemos de agradecer pelo que temos e sobretudo pelo que somos. O quadro piora um pouco quando consideramos a mesa pantagruélica como o maior, senão o único, símbolo a festejar.

No Dia de Reis, desmonta-se a árvore e empacota-se o presépio. Nesse gesto simbólico, a impressão é a de que enclausuramos o que se convencionou chamar de “clima de Natal”. Portanto, nos convencemos de que para haver Natal tem de haver clima, e este é mercadoria que se compra em lojas repletas de papais noéis dançantes.

Lá pelo meio do ano já não há sequer um resquício da manjedoura ou um pálido reflexo do brilho da estrela-guia a nos iluminar a face. Talvez com uma lente de microscópio se possa identificar uma célula num canto qualquer da compleição biológica a denunciar que por ali passou um sentimento natalino.

Vejo uma guirlanda pendurada na porta de entrada, esquecida de um ano para o outro. Mas é uma pena que ela não tenha o poder de receber, com as honras da casa, a mensagem substancial do Cristo e acomodá-la na mente do morador descuidado. A ação dos enfeites é tão perene quanto a duração das lâmpadas do pisca-pisca.

Avança-se um pouco mais no tempo, e os ventos do Advento já se fazem sentir, não necessariamente no coração, mas em virtude dos anúncios das lojas vendendo a felicidade em dez vezes sem juros. É a Black Friday, que no Brasil não é antecedida pelo Thanksgiving Day, o Dia de Ação de Graças, um ritual a que nos dispensamos sem a menor cerimônia.

Volto a vagar pelas ruas para ver o sobe-e-desce das pessoas. A cidade já exibe arcos coloridos e iluminados, na nobre tentativa de conduzir nossa atenção às comemorações tradicionais. Que bom seria se esses portais tivessem o condão de nos levar a uma terra encantada, onde pudéssemos viver apenas a essência do Natal, sem a necessidade de campanhas em favor dos pobres e esquecidos.

Faço uma prece rápida e meio desconcentrada, enquanto espero o sinal abrir. Peço que o espírito natalino deite suas asas sobre tudo e sobre todos, o que me leva a cantarolar os versos de Fábio Jr.: “Não é preciso uma verdade nova, uma aventura pra encontrar nas luzes que se acendem um brilho eterno”. Então prometo a mim mesmo que neste ano não deixarei o Natal ir embora de mim.

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