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Crônica da semana por Nilton Morselli

A vida por um triz

Que coisa mais triste o acidente ocorrido no sábado passado, no Aeroclube de Itápolis. Oito paraquedistas faziam os primeiros saltos, como atração de um festival de música, quando um deles, sabe-se lá por que razão, perdeu o controle e avançou sobre a área onde o público estava. Atingido, um bancário de 63 anos morreu na hora e outras duas pessoas foram levadas ao hospital. O homem que conduzia o paraquedas, que chegou ao solo a uma velocidade acima do normal, teve fraturas em pernas e braços.

Esse pode ser classificado entre aqueles acontecimentos que parecem desafiar as leis da probabilidade. Sete conseguiram descer no ponto combinado e um deles, por falha no equipamento, imperícia ou erro de cálculo (o motivo ainda não foi esclarecido), deu causa à tragédia. Uma tragédia pessoal e familiar para todos os envolvidos.

Pior para o bancário, que saiu da paulista Cosmópolis, onde morava, para visitar parentes na nossa limítrofe Itápolis. Decidiu prestigiar o evento e de lá saiu sem vida. São tantas as variáveis implicadas no caso que, analisando simploriamente, conclui-se que são resultado dos perigos a que estamos expostos todos os dias.

Viver é um risco. Viajar é um risco, assim como tropeçar numa escada, andar de bicicleta, estar num festival de música, seja em Itápolis, seja em Israel, onde milhares de jovens dançavam quando o som do DJ foi superado pelo barulho de mísseis lançados pelo grupo Hamas. Isso aconteceu no mesmo sábado, matando centenas de civis, inclusive pelo menos dois brasileiros na casa dos 20 anos.

Convivemos com o improvável, quase inacreditável, que às vezes invade o noticiário. Há alguns anos, um acidente aéreo em São Paulo vitimou um catador de recicláveis. Era o primeiro dia do ano. O aparelho o atingiu quando caminhava pela rua de um bairro pacato. São Paulo é uma das maiores cidades do mundo, com milhões de moradores, e o avião foi cair justamente sobre um pedestre solitário.

Se o rapaz tivesse parado para amarrar o sapato é bem possível que fosse apenas a testemunha da queda da aeronave. Mas, muito além do senso de preservação da própria espécie, temos de contar com o inusitado que habita o mundo das probabilidades. Costumamos traduzir isso como estar no lugar errado, na hora errada.

Tenho aqui uma história pessoal. Assistíamos a um jogo de futebol na sala de casa, em uma tranquila tarde de domingo. Meu irmão Marcos e eu aproveitávamos os 15 minutos do intervalo para bater bola na varanda. Um dos meus irmãos mais velhos gritou: começou o segundo tempo! Paramos e voltamos para o sofá.

A bola mal tinha começado a rolar novamente na TV quando ouvimos um barulho ensurdecedor, seguido de uma nuvem de poeira. Pedras e tijolos irromperam cômodo a dentro. Ainda com o coração saindo pela boca, vimos a frente de uma Kombi parada na porta, motorista ainda ao volante.

A perua quebrara o muro, voara por alguns metros do quintal – a casa, na Rua 24 de Outubro 217, ficava um nível abaixo – e parara bem na varanda onde trocávamos passes havia poucos minutos. Até hoje agradeço ao anjo da guarda que soprou ao ouvido de quem nos avisou sobre o reinício do jogo. Todos saímos ilesos.

Nem precisamos sair de casa para correr riscos, mas é claro que determinadas tarefas aumentam, em algum grau, a chance de algo sair errado: escalar uma montanha, saltar de paraquedas, mergulhar com tubarões, cutucar onça com vara curta, por exemplo. Só não podemos deixar que essas ameaças nos paralisem as ações, porque aí a vida perderia a graça.

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