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Crônica da semana por Nilton Morselli

Se tem placa, tem história

Nunca pensei que fosse necessário, mas cheguei à conclusão de que preciso colocar, no portão da garagem aqui de casa, uma placa de “não estacione”. De uns tempos para cá, motoristas profissionais passaram a obstruir a entrada e saída de meu carro. Em um certo sábado, um caminhão passou a tarde inteira –toda mesmo– fechando a garagem. Há pouco tempo, foi a vez de um caminhão baú recheado de pão de queijo. O motorista deu o azar de não conseguir mais dar a partida e teve de passar o dia esperando a empresa de rastreamento fazer o desbloqueio via satélite. E eu, lógico, fiquei a pé.

Se chamasse a polícia em todas as vezes, já teria arrumado confusão com muita gente. Mas, como estou tentando ser estoico, tenho utilizado essas experiências para exercer a paciência. E saio à procura do condutor, que sempre está fazendo uma entrega nas imediações. Alguns pedem um minutinho e outros fazem cara de bravo ou de indiferença. Poucos pedem desculpas.

O inacreditável disso tudo é que ainda dependemos de placas que nos orientem a fazer o certo, mesmo que saibamos fazer o certo e, pior, sabendo que a regra transgredida irá prejudicar terceiros.

Contra maus motoristas ainda dá para contar com as sanções do Código de Trânsito. Mas, como o povo brasileiro é digno de estudo, há locais não protegidos pelas leis em que as placas são tão onipresentes quanto ineficazes. Banheiros de uso geral, por exemplo. Multa nenhuma conseguirá atingir o cara que mija com a tampa do vaso abaixada. Por isso, é necessário instalar um aviso bem na altura no nariz da pessoa e torcer para que siga as regras e capriche na pontaria.

Em quantos banheiros você já entrou –às vezes só entrou e saiu, porque não dava para usar– e se deparou com algumas plaquinhas? A melhor delas: “Dê a descarga”. Como assim? É preciso pedir para o usuário acionar o bendito botão? Sim, em sanitários coletivos, o recado é indispensável. Com o perdão pelo rumo escatológico tomado por essa crônica: o sujeito faz suas necessidades, vira as costas e vai embora, com certeza sem lavar as mãos.

Em restaurantes que servem rodízio de alguma coisa, volta e meia vemos o recado na parede informando que o “serviço será interrompido caso haja desperdício” ou “o desperdício será cobrado”, ameaça aliás não amparada no Código de Defesa do Consumidor. Bem, se o proprietário achou por bem dar o alerta é porque tem freguês com o olho maior que o estômago, ou seja, comete o pecado de pegar comida em excesso, muito além do que consegue consumir – uma tremenda falta de educação.

O comércio é pródigo e, às vezes, bastante irônico nos recados afixados nas paredes. O “não vendemos fiado. Não insista” ou “fiado só amanhã” são esclarecimentos de quem certamente já tomou muito calote na vida. Essa que vi semana passada na seção de cuecas de uma loja do centro da cidade bugou meu cérebro e depois despertou meu humor de quinta série: “Não trocamos peças íntimas”.

O clássico “não pise na grama”, para mim, é um dos campeões. Com preguiça de contornar o canteiro, o maledeto estraga o jardim alheio sem a menor cerimônia. Já quem possui cachorro bravo e se preocupa em preservar quem tem mania de botar a mão dentro da casa dos outros pendura o aviso “cuidado com o cão”. Se o amigo de quatro patas soubesse ler, a placa estaria do lado de dentro e nela estaria escrito “cuidado com estranhos”.

Outro pedido tradicional é o “não jogue lixo”. Incrível como existem pessoas que escolhem os lugares mais impróprios para descartar os restos. Isso sem falar da vizinhança que elege a sua lixeira como depósito de todos os moradores do quarteirão. Por isso, não raro se vê por aí a inscrição “lixeira de uso exclusivo”. Mais direto só se desenhar.

Desenhar ou botar logo uma fotografia, como em hospitais. A enfermeira com o dedo indicador na frente da boca é um clássico da comunicação não verbal. Pois se até em hospital é preciso pedir a visitantes sem noção que falem baixo, imagine em velório, onde o pessoal menos chegado do defunto se reúne para falar de tudo, menos do personagem principal.

Por falar em silêncio, nem a igreja escapa de instalar advertências. Na Matriz, o padre pôs uma tabuleta na tentativa de dar modos à molecada que fica no fundão fazendo bagunça. O burburinho já chegou a atrapalhar a missa e a ser destaque do sermão. “Se tem placa, tem história”, diz o ditado.

E essas histórias, muitas vezes são trágicas. Se não fosse assim, seria desnecessário advertir os apressados ao volante: “Sob chuva, reduza a velocidade”, escancara o aviso, que está em todas as rodovias do país para lembrar aos motoristas que água na pista pode ocasionar acidentes.

Já notou como todas essas placas, em si, são redundantes? Pedem coisas evidentes até para crianças de colo. A máxima “se beber não dirija” está nas mensagens institucionais às margens de rodovias e nas campanhas de educação no trânsito, quando deveria estar apenas na consciência de cada um.

Mas pedir consciência é pedir demais quando, para tanta gente, a norma é burlar as normas da ética, dos bons costumes e da honestidade. Desnecessário colocar uma placa nos gabinetes políticos alertando de que é “expressamente proibido roubar dinheiro público”? Sim, mas não no Brasil.

Ainda lemos “é proibido alimentar os animais” em todos os zoológicos porque macacos não devem mascar chiclete e leões não comem maçãs. O apelo “não fumo, apenas bebo água” virou rotina em vasos de plantas que a turma insiste em fazer de cinzeiro. Por causa de gente assim –dos que mijam fora da bacia, expressão que vai além do seu sentido literal–, a impressão é de que as placas terão vida longa.

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