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Crônica da semana por Nilton Morselli

Mundo sem volta

Demorei para ter WhatsApp. Tinha de ficar explicando a razão pela qual não queria instalar o aplicativo, como isso foi obrigatório. Dizia, entre outras coisas, que não gostava de digitar nas teclas do celular, pois estava acostumado com o teclado grande do computador. Modéstia à parte, digito com quase todos os dedos e sem olhar. No celular, sai tudo errado e o corretor automático troca as palavras, tipo “inverno” por “inferno”, “alegria” por “alergia”.

Certa vez, o escritor Ariano Suassuna explicou porque redigia a mão. Na única vez que tentou usar o Word, começou escrevendo seu nome completo: Ariano Vilar Suassuna. O corretor não reconheceu os dois sobrenomes e os substituiu por palavras parecidas. Quando voltou os olhos para a tela, levou um susto. Estava escrito: Ariano Vilão Assassino. “Dei um pulo da cadeira e nunca mais quis saber de computador”, contou.

Outro motivo pelo qual não aderi logo ao WhatsApp é porque noventa e cinco por cento das mensagens eram bobagens, piadinhas e vídeos que nos fazem perder tempo. Continua sendo assim. Temia ser incluído em todos os grupos e não teria mais sossego na vida. Conheço pessoas que estão nos grupos da turma da primeira série do pré, do futebol da quinta, dos amigos do clube, dos colegas do escritório, dos sobreviventes da Segunda Guerra, dos Vigilantes do Peso, da Liga do Peloponeso e assim por diante.

Confesso que sou meio avesso às tecnologias avançadas – ainda travo uma luta desigual com o controle remoto e o novo lacre do Ajinomoto. Mas eu tinha de evoluir. Em nome da profissão, era necessário, e isso só faz uns sete anos. Para começar, tive de comprar um smartphone, a prestação, é claro. A Mariana, minha filha de sete anos na época, estava me achando meio dinossauro. Pudera! Nasci no século passado, quando não existia nada disso.

Enfim, fiquei com a internet na palma da mão. Na primeira semana me senti constrangido de ficar com a cabeça baixa olhando para a enorme tela do aparelho, comportamento que recriminava nos seres estranhos à minha volta. Hoje sou um desses, um pouco mais míope.

Uma coisa que descobri ingressar nesse mundo sem volta, é que prefiro a comunicação verbal. Gosto de falar e ouvir a voz das pessoas. Escrever, para mim, é profissão. Falar é diversão. O celular velhinho sequer tinha câmera fotográfica. Dava uma vergonha! Mas era forte, resistiu incólume até a um mergulho na privada, e já virou peça de museu.

Passei a tirar milhares de fotos – sem imprimir nenhuma no papel –, ouvir músicas, gravar entrevistas, escutar rádio e ler notícias a qualquer hora, em qualquer lugar, tudo com apenas um aparelho. Baixei muitos aplicativos. Mas no fim de 2020, meu primeiro smartphone molhou durante uma viagem a Brotas e fui obrigado a comprar outro, a prestação. Antes que eu tivesse de reinstalar tudo, como num passe de mágica, simplesmente as coisas do velho passaram para o novo aparelho. Só aí percebi como estamos reféns das megacorporações, que tudo sabem de nós.

Ok, ok, é assim mesmo. E vai piorar. Com exceção de comida, quase cem por cento das minhas compras são virtuais. As relações “interpessoais” também estão evoluindo para isso. Onde tudo isso vai parar? Claro, para dentro desse aparelhinho de que eu não consigo mais manter distância.

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