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Crônica da semana por Nilton Morselli

O vendedor de Viagra

No dia 1.º de junho, completaram-se 25 anos do lançamento do Viagra, o primeiro e mais famoso medicamento contra a disfunção erétil. Depois da invenção do bingo, o azulzinho da Pfizer certamente foi a coisa mais comemorada pelos velhinhos, lá pelos fins do século passado.

A pílula surgiu por acaso. A poderosa farmacêutica norte-americana a desenvolveu para o tratamento de hipertensão arterial e angina do peito, doenças associadas a muitas mortes ainda hoje. Mas eis que durante os testes de campo, emergiu – sem trocadilho algum – a novidade.

Posso imaginar que os cientistas administraram o remédio em ratinhos e macacos e foram descansar. De manhã, quando reabriram o laboratório, notaram que havia tido uma festa. Havia um brilho diferente nos olhos da bicharada, que faziam cara de “quero mais”. Nunca uma reação adversa havia sido tão comemorada na fauna.

Passou-se, então para a próxima fase dos testes, em humanos. Foi mantido sigilo sobre o efeito colateral (in?)desejado, para não sugestionar os participantes. Com o grupo que recebeu placebo, nada aconteceu. Já a turma que recebeu a pílula verdadeira subia pelas paredes. Os que conseguiram ir para o trabalho no dia seguinte contaram vantagem. E, claro, ninguém acreditou.

Com alguma ironia, os pesquisadores telefonaram para perguntar se funcionou. E anotaram nos prontuários respostas como “ô se funcionou, como havia muito tempo não funcionava”. Os pacientes hipertensos, de uma hora para outra ficaram “hipertesos”. Nem lembravam da pressão alta. Só conseguiam pensar na reação adversa.

Foi mais ou menos assim que a Pfizer deve ter encontrado o pote de ouro no fim arco-íris. A descoberta acidental foi mais ou menos como aquela que conhecemos nas primeiras aulas de história: Cabral ia para as Índias fazer escambo com especiarias locais e acabou no Brasil. Os cientistas miraram a disfunção cardíaca e acertaram a erétil.

Um quarto de século depois, o medicamento ainda garante bilhões para a fabricante e, com certeza, muito sorrisos para os usuários. No ano passado, o Viagra entrou em fase de testes para o tratamento de megaesôfago, um problema que é fatal para cães. Isso é bom para veterinários e tutores e ótimo para o melhor amigo do homem.

Não demorou muito para o medicamento milagroso chegar às farmácias de Taquaritinga. Isso me fez lembrar da primeira grande venda do produto, que não era caro. Era caríssimo. E o vendedor foi ninguém menos que meu saudoso amigo Cal Galatti, que, a propósito, nunca trabalhou em drogaria.

Cal, que dominava a habilidade da imitação, telefonou para a farmácia que ficava na esquina das ruas Campos Sales e Marechal Deodoro fazendo-se passar por outra pessoa, que chamarei de Dr. Fulano. Solicitava que lhe trouxesse, com rapidez e muita discrição, uma caixa do novo remédio.

O entregador foi até o escritório desse amigo do Cal, que não entendeu nada. Quando abriu o pacote, eis que o surge na sala o autor da brincadeira, rindo e fazendo cara de desentendido. Dr. Fulano recolou a caixa na sacolinha e disse para o rapaz que a encomenda não era para ele, mas para o Dr. Beltrano, que trabalhava a algumas quadras dali.

O entregador rumou para o endereço indicado. Dr. Beltrano também se surpreendeu, dizendo que não se lembrava de ter pedido alguma coisa na farmácia. Quando viu o que se tratava, não falou mais nada. Só perguntou o preço, pegou o talão de cheques, preencheu, pagou o moço e guardou as muitas cartelas na gaveta.

E foi assim que, no distante 1998, a primeira maior venda de Viagra foi efetivada em Taquaritinga. E Cal nunca reclamou sua comissão.

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