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Crônica da semana por Nilton Morselli

Luzes de Natal

O Natal é uma data com luz própria. Em virtude da simbologia em torno do que se comemora, ele estende seus fachos durante todo o tempo que a Igreja Católica chama de Advento, aquela preparação iniciada nos últimos dias de novembro. Mas não é preciso comungar da doutrina de Roma para senti-lo. Basta que estejamos de alma aberta para que o clima a irrompa, com intensidade suficiente para limpar camadas de impureza superpostas ao longo dos meses que o antecedem. O Natal parece nos perdoar pelas falhas e faltas cometidas, desde que haja autenticidade na disposição de fazer diferente.

O comércio, é claro, dá uma força para o deslinde temporário dessa relação um tanto conflituosa, que é alimentada ora por desleixo, ora pelas fragilidades da nossa consciência. Sempre estamos protelando ou menosprezando algum sentimento, sem notar a importância dele. As lojas já se enfeitaram com cordões coloridos e tudo o mais que remete à data tão esperada. As propagandas estão aí a nos convidar a comprar mimos para os outros e também para se auto presentear. Há nesse exercício, a princípio banal e meio automático, algo de redenção. Ofertar uma lembrancinha a alguém é um mecanismo de compensação, muitas vezes destinado a preencher um vazio – que pode ser a própria ausência física ou a falta de zelo com quem privamos a convivência, até mesmo dentro de casa.

Por isso a data pode nos conduzir a um tipo de angústia, como se ela tivesse de ser resolvida nesse hiato de calendário. Deitamos um olhar mais atento para nossas inquietações e para as tribulações do semelhante, geralmente mais penosas. Embora potentes, as luzes do Natal têm dificuldade de dissipar a melancolia daqueles cuja realidade é um banquete de dissabores. Muito além das restrições financeiras, é a falta de algum familiar que faz as festas de fim de ano perderem um pouco do sentido. Reacender o luto por ocasião delas é uma questão muito íntima, porque ninguém sabe o quanto a pessoa que partiu representava no coração de quem ficou.

Outros se recolhem à cápsula da desolação porque sua condição o impede de consumir, não os excessos, mas o mínimo para sentir-se no clima. Surge, então, a oportunidade para os corações devotados à caridade colocarem em prática a maior das virtudes, segundo São Paulo, de modo que o espírito natalino visite pelo menos as crianças carentes. Essa é, em suma, a transferência da cena do presépio para a vida real. Eis a grande mensagem do Cristo com o seu nascimento em circunstância tão agreste.

Mas o Natal também desperta alegria, sobretudo quando se tem o hábito das ruidosas reuniões familiares. Como não se alegrar ao descer as caixas com os enfeites que dormem no fundo de um baú? A cada ano, acrescenta-se algumas decorações novas, dessas encontradas aos montes nas lojas chinesas. Aí estão incluídas as luzes, sim, os cordões de pisca-pisca com mil lâmpadas coloridas que simbolizam o estado de espírito que se quer alcançar nesses dias de farta troca de bons desejos.

Os adornos que iluminam o Natal estão também no cenário urbano, em arcos decorados e nas árvores de praça onde as crianças tiram foto com o Papai Noel. Aprendemos desde cedo que é uma reverência lançar luzes sobre a maior das epifanias, assim como a estrela de Belém iluminou e indicou o caminho dos Reis Magos e, ao mesmo tempo, confundiu os perseguidores. Essa também pode ser apenas uma simbologia, mas caiu bem à nossa tradição.

E assim o Natal vai colocando doses extras de energia pulsante dentro de nós, que não olvidamos do poder de uma arvorezinha no canto da sala, com a simplicidade de um chumaço de algodão imitando neve. Ao encontro dela sempre haverá o sorriso de uma criança ou o olhar curioso de um gato. Sob seus galhos enfeitados, que não falte o Menino Jesus na singela manjedoura, a representar o renascimento das esperanças e das luzes que, por descuido, estejam se apagando no coração de cada um.

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