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Crônica da semana por Nilton Morselli

O tempo urge

Com exceção de alguns tipos, nem mesmo os vinhos melhoram com o tempo. Essa variável implacável a tudo vai corroendo, deixando opaco o que um dia foi brilhante. Pinta-se um portão e poucos anos depois, ele está lá exibindo pontos de ferrugem e implorando por outra demão de tinta. Se alguma providência for não tomada, é provável que se tenha de substitui-lo, tal o avanço da mancha sinistra.

Exposto às coisas da natureza, como chuva e sol inclemente, o telhado, o carro, o asfalto, o concreto, a rocha, o vidro, o avião – para falar só das coisas mais duráveis – vão se deteriorando. O que dirá das superfícies mais suscetíveis, como o corpo humano. É uma matéria-prima que, a despeito dos cuidados, demonstra com certa crueldade a ação do tempo.

A transição de uma fase para a outra da vida costuma ser percebida numa consulta ao médico. Quem até ontem jogava bola, sai do consultório diretamente para a loja comprar um brochante par de meias de compressão para estancar o avanço de uma veia periférica que insiste em se exibir na panturrilha esquerda. Nunca a genética me havia dado prova maior de sua força.

Não bastasse a passagem natural do tempo, a marcar os anos e o rosto, incorporamos aceleradores artificiais que dão a sensação de estar dentro de um carro de corrida. Invariavelmente, os excessos de compromissos servem de combustível. A busca desembestada pelo dinheiro e tudo o que os tempos modernos nos oferta a preço e a peso de ouro chega a tirar o sono. E não fica só nisso.

Não vemos a hora de sair do trabalho, de chegar o fim de semana, o feriado prolongado, as férias, aquela viagem tão esperada. Quando acordamos, já estamos nas festas de fim de ano. Contamos os anos para a aposentadoria, apostando que a felicidade estará nesses lugares que só existem no futuro e são tão incertos quantos os números da loteria.

O problema é que muitos de nós se esquecem de viver o presente, que na verdade é a única coisa que temos assegurada. A felicidade é o aqui e o agora, está no abrir os olhos de cada manhã, na comida, na saúde, no emprego, nas pessoas que estão perto de nós e, de alguma forma, fazem parte da nossa vida. É um erro achar que todas essas bênçãos são coisa menor, com as quais já nos acostumamos. Experimente se privar de uma delas e veja a falta que faz.

Mente quem diz que nunca retrocedeu mentalmente no tempo só para dizer que faria tudo diferente. Mas logo depois continua cometendo os mesmos erros. Isso é coisa normal. Humanos que somos, seguimos os padrões que estão cristalizados, o que não significa que não dá para seguir por caminhos diferentes. Quebrar essas amarras é para os fortes.

O objetivo dessa crônica de Páscoa é traçar uma linha entre tempo e felicidade, levando quem chegou até aqui a tentar descobrir onde e quando ambos se tangenciam na sua trajetória de vida. Há dois mil anos, lapso temporal que é apenas um cisco em termos de evolução, Cristo deu dicas valiosas para que a humanidade encontrasse a verdadeira felicidade. Como sua mensagem ainda está aí fazendo seus efeitos, é sinal de que o sacrifício não foi em vão.

Se o leitor me permite uma nota particular, diria que a felicidade está na gratidão por tudo o que somos e usufruímos neste exato instante, mas principalmente em tudo o que podemos fazer no presente para deixar a sociedade um pouco melhor. Só existem dois lugares onde não é possível fazer nada: o passado e o futuro.

Quem não é feliz agora dificilmente encontrará motivos para sê-lo mais adiante. Uma alegria adiada é uma alegria perdida, diz a filosofia de botequim. Não perca tempo chorando pelo que não tem ou pelo que é impossível recuperar. E não tolere atrasos, sobretudo os próprios. Protelações são primas da inércia e fazem o pão embolorar e o vinho virar vinagre.

Imagem: Reprodução

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