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Crônica da semana por Nilton Morselli

Um mar de impostos

Desde 6 de fevereiro deste ano, Ubatuba cobra uma taxa de turistas e visitantes de suas 102 praias. A medida da cidade do Litoral Paulista acaba de ter ecos no Litoral Sul. O prefeito de Guarujá mandou para a Câmara um projeto que autoriza a cobrança de veículos que permaneçam na cidade por mais de três horas. Os valores variam de R$ 4,26 para motos a R$ 119,28 para ônibus e caminhões. O tributo, sob o nome politicamente correto de Taxa de Preservação Ambiental, terá pagamento diário.

Como estamos em plena alta temporada, o veranista que planeja curtir as ondas dessas localidades já deve ir separando um dinheirinho para esse pedágio urbano. O sacrossanto direito de ir e vir está preservado, garantem os zaqueus modernos, mas desde que você tenha grana. O lema do turismo é isso mesmo: tirar o máximo de dinheiro no menor tempo possível. Ou você acha normal pagar dez reais por uma lata de refrigerante de 220 ml?

Se não há ilegalidade em sobretaxar a diversão de viajantes ocasionais, essa esperteza arrecadatória vai contra a Reforma Tributária que está em curso no país. No palco político brasileiro, a dança dos impostos sempre foi uma coreografia complexa e, por vezes, desafiadora. Os holofotes se voltaram para a bem-vinda reforma, uma peça que promete simplificar o Código Tributário Nacional, criado em 1966 e sancionado pelo marechal Castello Branco, em plena ditadura militar. Em meio a expectativas e alinhavos de grupos dos que querem e sempre conseguem benefícios fiscais, o Brasil assiste a mais um ato dessa performance nas suas duas maiores casas legislativas.

O enredo começa com a opinião geral de que a teia tributária nacional é uma obra digna de um dramaturgo surrealista. Uma multiplicidade de impostos, taxas e contribuições municipais, estaduais e federais transforma a vida do cidadão comum em uma jornada labiríntica. A promessa da reforma é simplificar essa trama, não necessariamente com uma redução drástica de desembolsos. Seria mais ou menos como suavizar as curvas de uma estrada, sem acabar com as praças de pedágio.

À medida que os bastidores foram revelados, ficou claro que a descomplicação é apenas uma terra prometida distante de ser alcançada. Alguns de seus efeitos já estão sendo comemorados, embora o novo código deva entrar em vigor somente em 2026. Que ninguém ouse duvidar da nossa capacidade de contornar as leis com outras leis, que é a oficialização do jeitinho brasileiro. Em matéria de cobrança, se não formos os campeões, nosso lugar no pódio está garantidíssimo.

O balé da reforma tributária, aprovada após intensas negociações, ajustes e exceções à regra, parece mais uma reorganização dos atores do que uma verdadeira simplificação do enredo. Alguns impostos foram renomeados, outros ganharam novos papéis, mas a estrutura fundamental permanecerá complexa.

A protagonista dessa reforma é a tão antiga quanto utópica unificação de tributos. Pelo que foi decidido, teremos o IBS (Imposto sobre Bens e Serviços), que consolidaria o estadual ICMS e o municipal ISS no mesmo guarda-chuva. No entanto, como em qualquer trama política, os interesses conflitantes dos diferentes estados e setores tornaram esse objetivo um desafio formidável. A União terá de fazer um fundo de compensação de perdas estaduais, que poderá afundar ainda mais o déficit orçamentário, a partir de 2025.

Os coadjuvantes nessa história incluem as mudanças na tributação de dividendos e a criação de um imposto sobre transações digitais. O que todos esperam –e acredito que sairemos frustrados– é que se alivie a carga de ombros já sobrecarregados. A trilha sonora dessa reforma é composta pelas vozes dos especialistas e analistas econômicos, além de políticos. Aqueles que aplaudem destacam a coragem de enfrentar um sistema tributário obsoleto, enquanto os críticos argumentam que a reforma não resolve as questões estruturais e pode gerar impactos negativos em setores específicos. Ainda falta a última votação na Câmara Federal, que tende a manter as mudanças feitas no Senado.

O problema de mudanças tão profundas é que as regras precisam ser mudadas com o jogo em andamento. Embora tudo indique que sim, se essa reforma será um passo na direção certa só o tempo dirá. Porém, de uma coisa não se tem dúvida: continuaremos pagando a taxa para tomar um solzinho nas praias paulistas. Pelo menos o ar que respiramos continua isento de imposto, não se sabe por quanto tempo.

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