DESTAQUEMais recentes

Crônica da semana por Nilton Morselli

Os invasores somos nós

O Rio Grande do Sul –e o resto do Brasil– não esquecerão tão cedo as imagens das enchentes provocadas pelo recente ciclone, que fizeram mais de 50 vítimas fatais. Jamais a Líbia –e o resto do mundo– tirarão da memória as inundações que provocaram mais de 5,3 mil mortes neste começo de setembro. Tanto aqui como lá também sucumbiram milhares de animais de estimação e de criação, sem falar nas perdas materiais incalculáveis.

Nessas horas, não é apropriado procurar culpados. O melhor é juntar-se à rede de assistência que se forma quando cataclismos de tamanha magnitude abalam determinados locais. Foi assim nos tsunamis que atingiram 14 países da Ásia em 2004 e o Japão em 2011. Foi assim nos deslizamentos dos morros do Litoral Norte paulista no começo do ano.

Há quem, descuidadamente, aponte para o aquecimento global. Pode ser que o fenômeno até tenha um pouco de participação nessa turnê de ensaio para o fim do mundo. Mas desastres geológicos não são novidades, não nasceram nessa geração. A tese do mega-asteróide que caiu da Terra, provocou uma onda colossal e dizimou os dinossauros há 66 milhões de anos enquadra-se na categoria dos acidentes naturais.

Assim como os mamutes, os homens atingidos pela fúria da natureza sempre estarão no lugar errado e na hora errada, seja numa metrópole ou em rincões remotos. Acontece que nunca sabemos se estamos no lugar certo e, quando a hora chega, somos apanhados de surpresa, por mais alto que as sirenes toquem. Geralmente, não há para onde correr.

As cidades são intrusas de um cenário mais antigo do que nossa mente pode imaginar. Onde ou perto de onde construímos as casas, há cem ou duzentos anos podia ter passado um rio que foi sufocado pela civilização. A água da chuva que corre asfalto abaixo não encontra um buraco para seguir seu curso, mas muros e paredes. Se o Brasil é pobre em saneamento básico, que dirá de infraestrutura pluvial. Às vezes, entretanto, nem elas dão conta.

De vez em quando somos visitados pelos velhos ocupantes do pedaço, que não respeitam portões fechados. Lembra-se de Petrópolis 2022? A urbanização com a qual temos uma insuspeita cumplicidade é que está no caminho deles. O resultado são catástrofes cada vez mais robustas. E fingimos que não esperávamos a visita.

Nos anos 1970, Taquaritinga sofria com enchentes na baixada do Terminal Rodoviário. O córrego Ribeirãozinho, quando ainda tinha água, foi canalizado e o problema, resolvido. Hoje corre nele um volume morto de dez centímetros, se muito. A água sumiu. Mesmo assim, quando chove bastante na cabeceira, a calha se enche.

Se hoje o córrego tivesse, normalmente, um volume que atingisse a metade da altura dos paredões, alguém duvida de que voltaríamos a ter enchente? Quase meio século depois, o crescimento da malha urbana, com seu manto negro impermeável e onipresente, faria a calha do Ribeirãozinho transbordar rapidamente, com todas as consequências para o entorno.

Por falar em avanço da civilização, o centro da nossa cidade precisa de obras de escoamento, que aumente o número de galerias pluviais, também chamadas de bocas-de-lobo. Há um projeto nesse sentido que dorme em alguma gaveta há vários anos. Quando temos temporal, a Rua Prudente de Moraes vira um rio de correnteza. As Avenidas Antônio Micali e Washington Luís, distantes uma da outra, também ganham uma espessa lâmina de água. Com a urbanização crescente, o problema se agravará. Depois não adianta culpar só as intempéries.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *