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Crônica da semana por Nilton Morselli

O freguês inexperiente

Qual a combinação mais inusitada (na verdade, estranha) que você já fez no prato? Que eu me lembre, a minha deve ter sido banana frita e nhoque. Isso foi proposital, ou então o resultado daquelas famosas incursões pelo congelador em busca de uma guloseima esquecida. Já a banana empanada e frita é uma preparação que muito aprecio e que não requer experiência nem habilidade.

Mas teve uma coisa que não foi de propósito, muito menos ocorreu na intimidade da cozinha doméstica. A primeira vez que pisei em um restaurante, na companhia do meu irmão Marcos, protagonizei uma cena inesquecível. Foi na Tenda Árabe, quando ainda era no prédio perto da Câmara Municipal, meu endereço de trabalho muitos anos mais tarde.

Nunca tinha visto tanta comida junto. Deslumbrado com a variedade, montei um prato cujas calorias certamente me manteriam em pé por uns três dias. Franzino, eu pesava pouco mais de 50 quilos e não era de comer muito.

Confesso que, ao chegar, estava acanhado. Mas a visão do paraíso me deixou mais solto: estava ali, diante de carnes variadas, legumes coloridos, massas fumegantes e uma gula de impressionar lutador de sumô. Nem ouviria se alguém fizesse qualquer comentário desabonador sobre o exagero do moleque esganado.

Já estava me dirigindo para a mesa onde ficaria vergonhosamente empanturrado quando, de soslaio, vi algo que me chamou a atenção. Dei meia volta, peguei uma espécie de concha, enchi-a com vontade e soltei uma generosa porção do belo creme verde-claro em cima do Everest de comida atrás do qual eu podia me esconder.

Sentei-me à mesa como um pachá numa ceia pantagruélica. Mas antes que desse a primeira garfada percebi um esgar no rosto do garçom de bigode fino que parecia ter saído de um filme francês. Na primeira porção levada à boca tive a sensação de que alguma coisa estava estranha. Na segunda, tive certeza. Meu irmão já não conseguia esconder o riso.

Eu acabara de ensopar meu prato com a sobremesa especialmente elaborada por dona Nadir, esposa do saudoso Aniz Dib, donos do restaurante: creme de abacate. Não me lembro direito, mas acho que pensei tratar-se de um prato com algum legume verde, como aspargo ou ervilha.

Fui traído pela gulodice, a falta de modos e de experiência em ambientes de refeições coletivas. Talvez rindo por dentro e com dó do freguês adolescente e trapalhão, o profissional da bandeja perguntou se eu queria trocar o prato. Resoluto e envergonhado, respondi:

– Não, senhor. Obrigado. Está uma delícia!

Tenho certeza que o homem pensou: das duas uma, ou esse moleque é bobo ou tem hábitos alimentares muito estranhos.

Comi tudo. Mas a minha estreia em restaurante me deixou sequelas, quase um trauma, que atingiram minhas preferências gastronômicas para sempre. Passo longe de cremes verdes.

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