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Crônica da semana por Nilton Morselli

Preservar ou demolir?

Volta e meia a gente ouve por aí que a casa tal deveria ser tombada como patrimônio histórico. De fato, são poucas as remanescentes da época em que se faziam construções imponentes. São datadas da primeira metade do século passado, quando o ouro negro movimentava as engrenagens da sociedade – antes de o tomate tingir de vermelho as nossas lavouras. Infelizmente, nem todas receberam a devida manutenção. Perderam, com isso, a beleza que um dia emprestaram à cena urbana.

Conservar ou demolir é uma questão cultural. Quem visita à turística Brotas faz na hora a comparação inevitável, e pode voltar de lá até um pouco triste. E a cidade do cantor Daniel, que se viu famosa por ter dado ao país o simpático e talentoso artista, nem é reconhecida pelo turismo histórico. São as cachoeiras e corredeiras do Jacaré-Pepira que a tornam destino de brasileiros e estrangeiros em busca de aventura. Mas basta circular pelo centro de Brotas para constatar que imóveis antigos e restaurados não são a exceção.

A arquitetura caprichada, com fachadas artísticas, fez parte de um tempo que não volta mais. Hoje as construções obedecem a um ritmo industrial, de modo que fiquem prontas rapidamente. Dependem muito menos das mãos habilidosas dos pedreiros. As caixas quadradas e revestidas de porcelanato tomaram lugar na prancheta dos profissionais. É inquestionável que têm sua beleza, sobretudo quando acompanhadas de um cuidadoso projeto de paisagismo.

O problema não está no novo design da construção civil, mas na falta de preservação. Foram muitas as moradias históricas postas ao chão para que o terreno recebesse outro projeto, mais moderno, que em nada lembra o que um dia existiu. Seria mais ou menos como vender o Cine São Pedro para que uma construtora pusesse em pé um espigão residencial com todos os requintes e funcionalidades à disposição dos moradores – em detrimento da memória da cidade.

Evidentemente, o prefeito e os vereadores não têm o poder de evitar essas mudanças na paisagem urbana, como crê o senso comum. Seria impossível e não haveria dinheiro suficiente para desapropriar cada um dos imóveis reconhecidamente importantes sob o ponto de vista histórico. A conservação deve ser uma decisão do proprietário. Caso haja interferência do poder público, além de não resolver, a situação pode ficar pior.

Dá arrepio ouvir, da boca de um político, que está pensando em propor que um imóvel particular seja tombado. Um tombamento sem desapropriação pode ter desdobramentos danosos. Uma casa assim enquadrada requer preservação ou até restauração, o que invariavelmente tem custo alto. Se o dono não ter condições financeiras para tal, nada o obriga a fazê-lo. Se ele quiser vendê-la, dificilmente encontrará quem compre a preço justo uma casa que não possa ser desmanchada ou ter suas características originais alteradas.

É aí que a questão pode se judicializar. O dono entra na Justiça contra o ente (União, Estado ou Município) requerendo indenização por danos morais e materiais, alega que não pôde realizar mudanças estruturais por força da lei e que o impasse provocado o impediu de alugá-lo. Somada a indenização a lucros cessantes, a conta fica cara, geralmente em forma de precatório a perder de vista. O melhor é deixar como está para ver como é que fica.

Quando se fala em templos religiosos, a situação é diferente. Embora sejam um patrimônio particular – geralmente da Igreja Católica –, esses prédios não costumam mudar de finalidade ao longo de décadas. É assim que muitas igrejas são tombadas país afora. Pena que as mais antigas de Taquaritinga (o Santuário de Nossa Senhora e a Matriz de São Sebastião) não mais se enquadram nas regras, haja vista que passaram por alterações em sua arquitetura.

O único imóvel da cidade tombado pelo Condephaat (Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico do Estado de São Paulo) é o que abriga, desde 15 de janeiro de 1914, a Escola Municipal de Ensino Básico Domingues da Silva. A Resolução de Tombamento, de n.º 60, é datada de 21 de junho de 2010. Essa escola centenária é uma das 126 construídas pelo Estado na Primeira República, entre 1890 e 1930.

A gente às vezes, por desconhecimento, não dá importância a essa joia encravada no centro da cidade. Veja o que diz o Condephaat sobre estabelecimentos de ensino como o nosso Domingues da Silva: “Destaca-se a qualidade do conjunto caracterizado pela técnica construtiva simples, consolidando o uso de alvenaria de tijolos e por uma linguagem estilística que simplificou os atributos da tradição clássica acadêmica. A organização espacial era concebida incorporando preceitos e recomendações de higiene, insolação e ventilação previstos na cultura arquitetônica que vinha se firmando desde o século XIX. O programa pedagógico distribuía essencialmente salas de aulas ao longo de eixos de circulação em plantas simétricas. Aos poucos se firmaram em projetos arquitetônicos padronizados que se repetiam com pouca ou nenhuma variação em mais de um município.”

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