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Crônica da Semana por Nilton Morselli

Precisamos de formalidades

A informalidade ainda vai destruir o mundo ou pelo menos o mundo como o conhecemos. É fácil constatar como as pessoas e as coisas são tratadas cada vez mais de maneira informal, o que faz um mal danado às tradições – que é o que mantém em pé as civilizações. Se instituições milenares existem até hoje é porque seus ritos e regras foram, de alguma forma, mantidos.

O que pode parecer besteira para uns, como a ordem das bandeiras numa solenidade, tem uma razão de ser, assim como manter uma posição respeitosa na hora Hino Nacional. Mas as comemorações cívicas e sociais estão indo na contramão. Fazem tudo errado, isso quando fazem. Mal comparando, seria mais ou menos como o noivo entrar na igreja de bermuda. Pode parecer moderno, quando só está sendo ridículo.

As relações de consumo deixaram para trás aquele padrão sisudo, principalmente quanto à propaganda. Embora hoje a juventude seja mais um estado de espírito do que de idade, o jeito de se referir ao cliente é um costume que resiste ao tempo. Mas o freguês com menos de 50 anos se sente desconfortável quando o atendente o chama de “senhor” ou “senhora”, como se isso fosse sinal de respeito, ou por norma da empresa.

A comunicação por aplicativo de mensagens não guarda o mesmo formalismo, e ninguém se sente menosprezado por isso. A Magalu, por exemplo, me chama de você. (Obrigado, Magalu, ganhei o dia.) Entre namorados é essencial manter algum vocativo mais intimista, como “amor”, “vida”, “chuchuzinho” e outros diminutivos cafonas, mas necessários para manter o clima. Até aqui tudo bem.

O problema é quando a norma padrão precisa ser usada. Tem muitos por aí que nem imaginam que ela existe. Mas alguma hora haverão de saber, pelo menos, as formas de tratamento específicas da comunicação oficial. Um juiz pode devolver a petição caso se ressinta pela falta de um “meritíssimo”.

Pois até ao governo federal chegou a onda do liberalismo vocabular, o que não faz o menor sentido. A comunicação no governo federal, por decreto de 2019, proibiu o “vossa excelência” em comunicados, atos e cerimônias públicas. A expressão haveria de ser substituída por “senhor ou senhora”. Foram os mesmos que condenaram o “todes”, invenção que ainda pode acabar nos léxicos.

O excesso de formalismo, evidentemente, é um entrave e até pode ser confundido com a burocracia nas repartições públicas. O frescor nas construções idiomáticas é sempre necessário para que se tenha clareza, a evitar sobretudo dúbias interpretações e uma barreira intransponível aos menos letrados.

A língua, no entanto, é apenas um dos pilares culturais de um povo. Ela sofre mudanças com o passar dos anos, mas tudo tem limite. Caso contrário, no período de um século, as crianças não reconheceriam o idioma de seus bisavós.

Além da escrita e de como a usamos, se algumas tradições forem simplesmente abandonadas, corremos o risco de perder a essência das coisas que nos diferenciam culturalmente. Isso não tem nada a ver com a política de “cancelamento” de certas situações que nos envergonham como sociedade, como os termos pejorativos e as homenagens descabidas.

Há sutilezas a que muitas pessoas não se atentam. Um político, apesar de eleito, precisa ser diplomado para tomar posse, o que envolve prestação de contas e apresentação de documentos. Na posse, assina a folha com caneta própria. No caso de presidentes da República, a passagem da faixa é apenas um ritual alegórico, que demonstra a cordialidade dos que comungam com a democracia.

Assim como os noivos de bermuda, existem profissões cujo traje inapropriado soa no mínimo estranho. Nem consigo imaginar um médico clinicando de camisa preta ou um advogado sem paletó numa audiência no STF com o Gilmar Mendes em mangas de camisa. O padre sem batina não celebra missa. Tudo faz parte de um conjunto.

Nessa linha de raciocínio, a Igreja Católica nunca permitirá que seus sacerdotes se casem, por razões mundanas. Muito menos você vai ver um maçom fofocando sobre o que se discute entre colunas. Regras antigas garantem a sobrevivência das instituições, e não se mexe em time que está ganhando.

Quer um exemplo de mudança que não deu certo? A modernização excessiva da família acabou subvertendo a lógica emprestada do futebol, e hoje os filhos (filhos não, “príncipes”, como passaram a ser chamados) é que ditam as regras em casa. Para proteger vossas majestades, os pais são capazes de tirar a autoridade do professor, isso quando não os ameaça.

Se até nas coisas mais elementares é bom manter a ordem para não virar bagunça, que dirá nas relações humanas essenciais para a sociedade. Prima-irmã do “jeitinho brasileiro”, a informalidade volta e meia descamba para a gambiarra. Quando se trata de gente, são indispensáveis certos protocolos. É por isso que até para alugar uma casa se exige fiador e contrato em duas vias com firma reconhecida em cartório. Amigos, amigos… negócios à parte é um conselho insuperável. É o formalismo que mantém o mundo girando. Sem ele, voltaríamos para as cavernas.

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