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Crônica da semana por Nilton Morselli

Churrasqueemos

Churrasco adiado é churrasco perdido, agora eu sei. E quantos tenho adiado! Pelas minhas contas, uns dezoito ou dezenove, só no último ano. Porque cada encontro com um amigo, no supermercado, no banco, no cinema, termina com o famoso “precisamos marcar um churrasco”. E nunca marcamos.

A picanha já baixou um pouquinho, mas ainda falta bastante para ficar ao ponto. Então aproveitemos outros cortes bovinos mais em conta e – por que não? – uma “bicanha”, que é a picanha de penas, uma linguicinha, a indispensável barriga de porco e até uma suculenta berinjela para agradar aos vegetarianos.

A carne nobre assada, com aquela capinha de gordura, entrou na campanha eleitoral porque andava, e ainda está, sumida da churrasqueira, pelo menos da minha. Nunca antes na história recente deste país houve um tema de debate tão significativo para a classe média, do ponto de vista gastronômico.

A promessa de campanha virou um grande meme, suplantando até mesmo a praia de Guariroba. Volta e meia alguém relembra nas redes sociais que o então candidato Lula disse que devolveria a picanha ao prato dos brasileiros. Tanto apoiadores quanto adversários usam e abusam desse que virou um emblema da maior pendenga política do século.

Mas o episódio já teve um ruidoso paralelo, ainda relativamente fresco na memória. Durante o Plano Cruzado, do governo Sarney, em 1986, houve congelamento e tabelamento de preços. Os pecuaristas se recusaram a abater os bois gordos e a carne sumiu do mercado. A Polícia Federal entrou em ação e foi caçar os animais nos confinamentos. Houve apreensões, mas claro, insuficientes para normalizar a situação.

Os mais ricos compravam no mercado negro, pagando com ágio. A insanidade durou pouco, naquele cenário de hiperinflação. Em casa, mesmo nesse período turbulento, o produto não faltou porque meu pai era açougueiro e, por isso, éramos uma família de alto valor proteico.

Acontece que transcorria uma eleição geral, e o sumiço da carne acabou influenciando no resultado, até mesmo para o governo de São Paulo. O candidato do PMDB, Orestes Quércia, aproveitou a oportunidade para adicionar o ingrediente ao seu arsenal de propostas. Repetia a todo instante que tiraria os bois do pasto e os transferiria sem escalas à mesa dos paulistas.

Como prova da importância do produto no nosso cardápio, Quércia subiu de terceiro para primeiro colocado nas pesquisas e ganhou a parada, superando Antônio Ermírio de Moraes, cuja vitória eram favas contadas. Já o peso da picanha na vitória de Lula em 2022 só o distanciamento histórico poderá avaliar.

Alheio à politização da carne, estou aberto a convites de amigos da esquerda e da direita que quiserem queimar uma carninha em qualquer dia da semana. Vamos deixar os espetos de lado e usar a grelha ou liberar os espetos e proibir a discussão de temas políticos, opção que acho mais racional.

No fim das contas, o churrasco é só o pretexto para um encontro de amigos, independentemente dos cortes escolhidos. O filósofo Mário Sérgio Cortella fala sobre a “despamonhalização da família”, que é um fenômeno mais ou menos novo. Antes os pais reuniam as crianças no sábado para fazer pamonha – da colheita do milho ao produto final, passava-se o dia inteiro juntos. Acabaram-se a convivência e a diversão porque a pamonha agora é comprada.

Pegando o exemplo do Cortella, temos urgentemente de acabar com a “deschurrascalização” da família e dos amigos. Agora, assim que alguém sugerir “precisamos fazer um churrasquinho”, já vou marcar o dia e anotar na agenda. Até me comprometo a levar o molho vinagrete. Churrascos que ficam na teoria não têm o menor sabor.

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