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Crônica da semana por Nilton Morselli

Inimigos da alegria

Não se engane: um inimigo da alegria não deve ser confundido com um pessimista. Este apenas está um passo aquém da expectativa em relação aos demais, enquanto o outro extrapola essa definição. Vamos aos exemplos para identificar essa gente, que mais cedo ou mais tarde cruzará o seu caminho, se é que já não cruzou.

A turma toda está combinando de assistir ao jogo da seleção no barzinho. A partida é um pretexto para estar e beber junto, porque a comemoração está apenas subentendida. Afinal, não é possível saber se o Brasil vai ganhar, mesmo se o jogo seja contra um país sem tradição em Copas do Mundo.

Ao inimigo da alegria não cabe apenas recusar o convite. Ele dirá que não há motivo algum para esse ajuntamento, lembrará que o futebol é o “ópio do povo”, que qualquer forma de celebração é até pecado enquanto o país atravessa o flagelo do desemprego, está saindo de uma gestão desastrosa e conta os dias para o início de um governo que transferirá, sem escalas, a Venezuela para cá.

Porque o inimigo da alegria não comemora nem vitória eleitoral, pois acha que nenhum político presta e que, claro, todos deveríamos detestar política. Se o candidato dele ganhou ou perdeu, pouco importa. O negócio é estragar o prazer alheio. Viu com maus olhos as bandeiras vermelhas tremulando nas ruas, ao mesmo tempo em que criticou os que se enrolavam na Bandeira em frentes aos quartéis.

A alegria dos outros é o seu alvo preferencial. Onde já se viu alguém postar nas redes sociais que o filho foi aprovado em faculdade particular?! Pensa, com a autoridade dos entendidos em tudo, que “se fosse uma universidade pública ainda vá lá”, e posta o comentário. Invariavelmente acaba bloqueado.

Ignora que a boa educação recomenda evitar sinceridades impulsivas e imprudentes. Espécimes desse grupo acham besteira comemorar aniversário, e jamais cantam parabéns. Vão à festa da firma só para plantar discórdia. São capazes de cortar o rabo do cachorro para não presenciarem qualquer manifestação de contentamento.

Nunca desdenhe da presunção de um inimigo da alegria, que não chega a ser o tipo invejoso. Está mais para o sem noção. Ele é capaz de jogar um balde de água fria na felicidade de quem acabou de ter um filho, lembrando o custo para se criar uma criança. Em rápidas contas mentais, informa que, só com escola e plano de saúde, daria para comprar um carro zero. Mas ele não tem filho nem carro zero.

Geralmente, emite opinião sem ninguém pedir. Aliás, a especialidade de um inimigo da alegria é opinar sobre qualquer tema, sempre “para recolar as coisas nos seus devidos lugares”. O mundo, a sociedade em geral, a comissão do Prêmio Nobel, a CNBB, a ONU e o STF insistem em subverter a lógica, os costumes, a ciência, os dogmas seculares e a interpretação que ele dá à Constituição.

Um inimigo da alegria não trabalha com hipóteses, só com certezas absolutas ao deparar-se com o sorriso alheio. Não acha que quem ri por último ri melhor. Rir, para ele, é coisa de quem ignora a realidade ao seu redor. O bom humor seria um sinal de fraqueza. Não tem ironia, o sarcasmo é sua ferramenta, e o lança quando quer aplacar uma alegria incontida. Só se compraz quando atinge esse objetivo, e não se esforça para evitar que alguém perceba o seu regozijo. Mas nem é necessário. Todos sabem que um inimigo da alegria, quando não age por prazer, age por instinto. Um raro elogio saído de sua boca é o limite da dissimulação.

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