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Crônica da semana por Nilton Morselli

Farejadores de embusteiros

Pense numa profissão que, como se diz por aí, é uma verdadeira “curva de rio”. Pela vocação para levantar problemas sociais e dilemas particulares, o jornalismo é um prato cheio. Mas me refiro propriamente aos enroscos que todo jornalista enfrenta no dia a dia. Gente que, para aparecer ou levar alguma vantagem, dá um jeito de se aproximar de um repórter, esse trabalhador sempre em busca de fatos novos. Ou então tem o azar de cruzar com um jornalista que faz as perguntas certas. Quando o assunto atravessa a fronteira do corriqueiro, torna-se naturalmente mais interessante. É aí que entram os embusteiros.
Certa vez, apareceu no balcão do jornal um homem dizendo que voltava a pé de Aparecida e, a caminho de casa, passava por Taquaritinga. Um trajeto de mais ou menos mil quilômetros. Trazia um punhado de recortes de jornal para provar sua estada em diversas cidades, nas quais fora entrevistado pela imprensa. O peregrino garantia que pagava uma promessa por ter sido curado de um câncer. Cheia de detalhes, a história era boa, e saiu na edição seguinte.
Transcorrido algum tempo, talvez anos, chega à redação um homem trazido por um empresário respeitado na sociedade. Contava uma história semelhante à do outro pagador de promessas. No meio da entrevista, pedi licença para ir ao banheiro. Na verdade, fui conferir no arquivo do jornal: tratava-se da mesma pessoa, só que agora sem barbas.
Voltei e comecei a fazer perguntas com o objetivo de desmascará-lo:
– É a primeira vez que o senhor faz esse caminho de fé?
– Sim.
– Já esteve por essa região?
– Não. Sou do estado de Goiás.
O homem foi se comprometendo a cada pergunta na frente do bom samaritano, que lhe oferecera pouso e comida. Por piedade, encerrei a conversa sem revelar minha descoberta. Depois de algumas horas, o cidadão generoso ficou sabendo que caíra num golpe.
Por mim, publicaria uma matéria no jornal para ajudar a encerrar a carreira do farsante, mas atendi ao pedido do meu chefe, talvez para resguardar o homem que o acolheu e até fez uma vaquinha em favor do romeiro de araque. Ficou por isso mesmo. A memória de todo mentiroso alguma hora falha, com mais frequência que a de jornalistas atentos.
Outra história boa. Apareceu por essas plagas – e foi parar na redação em que eu trabalhava – um cidadão chamado Valter (não se lembro o sobrenome). Tinha nas mãos o exemplar de um livro, que ele mesmo publicara, em que dava dia e hora para o fim do mundo. Estávamos perto da virada do século e do milênio, e alguns místicos acreditavam que “de 2000 não passarás”, invocando ora uma profecia de Nostradamus, ora algumas interpretações enviesadas da Bíblica.
Não me recordo direito a data fatal, então vou inventar só para o leitor ter uma ideia da maluquice. O nosso Valter cravava: no dia 23 de outubro de 1998, às 20h52, bolas de fogo desceriam do céu e não sobraria pedra sobre pedra. Para saber as razões, ou seja, as explicações para o fenômeno que decretaria o final dos tempos, só comprando o livro. O Apocalipse Segundo Valter (o nome da obra não era esse), para nossa sorte, não se consumou nem tampouco ele conseguiu me empurrar um exemplar. Então, fico devendo para vocês os pormenores do estudo.
Qualquer hora eu conto a história de um suposto xeique que apareceu por aqui.

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