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Crônica da semana por Nilton Morselli

O homo digitalis (nada) cordialis

Se Rousseau estivesse entre nós hoje, talvez atualizasse sua famosa máxima para: “O homem nasce bom, mas se corrompe em contato com a internet”. Afinal, no estágio a que chegamos, o “bom selvagem” não precisa mais sair da floresta, basta conectar-se ao wi-fi de um restaurante.

Enquanto o filósofo iluminista via a sociedade como a grande corruptora da pureza humana, a doutrina reencarnacionista sugere que já chegamos ao mundo com uma bagagem espiritual considerável. Ou seja, não é só a sociedade que nos influencia, trazemos conosco um histórico que moldam nosso ser.

Neste século ainda em construção, o ser humano é um híbrido complexo de genética, ambiente, histórico espiritual e mais alguma coisa que ainda se está por descobrir –nunca se sabe o que vem por aí. A epigenética comportamental mostra que nossos genes interagem com o ambiente de maneiras surpreendentes, influenciando nosso comportamento de uma forma que ainda estamos começando a entender.

E como se não bastasse essa complexidade, vivemos na era das redes sociais, onde todos os que mantêm perfis são instados a opinar sobre tudo, quase sempre sem o devido embasamento. A cordialidade brasileira, descrita por Sérgio Buarque de Holanda no seu “Raízes do Brasil” como uma característica que valoriza as relações pessoais sobre as institucionais, parece ter se perdido em meio a polarizações e debates acalorados online.

O “homem cordial” de Holanda, que buscava harmonia nas relações pessoais, talvez se surpreendesse ao ver como a era digital transformou o debate público em arenas de confronto. A cordialidade deu lugar à agressividade, e o diálogo cedeu espaço ao monólogo, quando não à pancadaria. Nosso emérito sociólogo deve estar rodopiando no caixão.

Apesar de todos os avanços tecnológicos e sociais, a tão almejada paz mundial ainda parece um ideal distante. Ícones desse sonho de não-violência, como Jesus Cristo e Gandhi, nos legaram caminhos de amor e compaixão, mas a ambição pelo poder continua a ser um obstáculo persistente para essa grande utopia.

Em 2025, o mundo ainda presencia uma série de conflitos com potencial de escalada. Os mais notórios –a guerra entre Rússia e Ucrânia e o massacre de Israel em Gaza– mostra que evoluímos pouco em humanidade. Particularmente em consciência política e social, menos ainda (Trump não é apenas um ponto fora da curva). Esses e outros conflitos refletem a persistência de disputas territoriais, rivalidades políticas e interesses econômicos que desafiam a estabilidade global e, meu Deus, a aventura humana na Terra.

No entanto, o século 21 ainda nos oferece tempo e conhecimento suficientes para revertermos a barbárie e sairmos da encrenca em que nos metemos. Não é pedir muito que a tecnologia seja usada para promover o diálogo e a compreensão mútua, enquanto a educação e a cooperação internacional podem ajudar a resolver disputas de forma pacífica.

Cabe a nós, como sociedade global, escolher o caminho da paz e da solidariedade, utilizando os recursos disponíveis para construir um futuro mais justo e harmonioso para todos. Quem sabe assim, tanto no individual como no coletivo, o homem evolua pelo menos mais um pouco.

(Imagem gerada por IA)

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