A GUERRA MUDA TAL AS NUVENS
Por Luís José Bassoli
300 dias de ataques ininterruptos foram suficientes para que o exército de Israel devastasse a Faixa de Gaza.
Todas as casas, mesquitas, hospitais, centros de saúde, escolas, universidades, sistemas de energia, água e esgoto foram destruídos – não sobrou nada!
O número de palestinos mortos parou de ser contado quando alcançou 40 mil; cerca de metade são crianças.
Toda a população de Gaza foi deslocada e está desabrigada, não há onde se abrigar; todos os doentes e grávidas estão sem assistência.
O povo palestino à espera da morte.
Benjamin Netanyahu se consolida entre os mais violentos líderes da contemporaneidade; o Ocidente (EUA/Europa) repete a covardia com que tratou o nazifascismo no pré-Segunda Guerra Mundial.
ESCALADA ISRAELENSE
O porta-voz das forças israelenses, almirante Daniel Hagari, alertou: “O Hamas é uma ideologia, não podemos eliminar uma ideologia”.
Só que Netanyahu se alimenta da guerra e sinalizou uma “operação muito intensa” no Líbano, em cuja fronteira o exército troca ataques com o Hezbollah.
Diante do risco de invadir o Líbano, Netanyahu surpreendeu e determinou o assassinato do principal líder político do Hamas, Ismail Haniyeh, num ataque ao Irã.
Na impossibilidade de aniquilar o Hamas como um todo, optou por aniquilar o líder Haniyeh, que negociava um cessar-fogo, que incluía a libertação de reféns israelitas – Netanyahu “sacrificou” os reféns para se manter no poder.
CO-AUTORIA NO GENOCÍDIØ
Os EUA assumiram a co-autoria do extermínio: Netanyauh foi aplaudido de pé no congresso americano, há uma semana, e o governo Biden voltou a fornecer armas para Israel concluir a matança.
Dias antes do ataque israelense à capital iraniana Teerã, que matou o líder do Hamas, o porta-aviões nuclear americano USS Theodore Roosevelt estava no Golfo Pérsico, às margens do Irã.
IMPASSE DA RESISTÊNCIA ISLÂMICA
O ataque bem-sucedido de Israel ao Irã altera a lógica do conflito e intensifica as dúvidas quanto ao futuro.
Analistas sugerem que o Hamas perdeu sua capacidade de enfrentamento, é um grupo pequeno, cerca de 20 mil combatentes, com arsenal restrito – sem seu líder, não tem mais como proteger Gaza.
Já o Hezbollah é um grupo bem estruturado, com 100 mil soldados e impressionante arsenal de 250 a 300 mil foguetes/mísseis.
O Secretário-Geral do Hezbollah, Hassan Nasrallah, prometeu “lutar sem regras nem limites” caso Israel invadisse o Líbano, mas nunca falou nada sobre uma guerra total para defender a Palestina.
O governo do Irã está num impasse ainda maior: sua capital foi atacada; o líder do Hamas, a quem devia proteger, foi morto.
Se não revidar, corre o risco de se desmoralizar frente ao Eixo da Resistência (os vários grupos financiados pelo país, que inclui o Hezbollah libanês, o Kataib Hezbollah iraquiano e os Houthis do Iêmen), e à própria Guarda Revolucionária, a mítica elite do exército iraniano.
Se revidar com força “desproporcional” (e atacar a capital israelita Tel Aviv, por exemplo), poderá jogar a região – e o mundo – num conflito de proporções catastróficas.
RÚSSIA, CHINA, EUA, EUROPA
Israel não teria como, sozinho, derrotar o Irã.
Numa guerra total, EUA e Reino Unido sairiam em defesa de Israel; enquanto o Eixo da Resistência se juntaria ao Irã.
China e Rússia tentam conter a escalada do conflito, sobretudo a China, que tem planos no longo prazo para a região, e já atua diretamente na geopolítica e nos projetos econômicos: Irã e Arábia Saudita foram incorporados aos BRICS, as negociações com as potências Paquistão e Indonésia seguem a passos largos.
Uma guerra total não interessa a ninguém do Sul Global.
A SEMPRE PREOCUPANTE QUESTÃO NUCLEAR
Israel possui centenas de bombas atômicas táticas, de menor potencial; é cada vez mais aceita a possibilidade de o Irã também ter bomba nuclear, fala-se em pelo menos quatro artefatos, suficientes para riscar Israel do mapa.
O FRACASSO DE BIDEN
O governo Biden pressionava Netanyahu para possibilitar o surgimento de alguma nova liderança palestina em Gaza e ter com quem negociar, inclusive com o Hezbollah.
O primeiro-ministro israelita não cedeu e pôs em prática seu plano de exterminar a Faixa de Gaza, mesmo que custe a vida de 2 milhões de civis palestinos.
Com Biden fora da disputa eleitoral, Netanyahu acolhe sua base parlamentar, de extrema-direita, e prepara uma reocupação do território de Gaza para o reassentamento de colonos sionistas.
É quase consenso que a Faixa de Gaza não mais existe; não há mais quem não admita o genocídio do povo palestino.
Porém, ninguém “crava” que o Hamas foi, definitivamente, aniquilado; os órfãos de hoje, em uma década, serão jovens combatentes, a lutar por sua terra e pela memória de seus pais, como fazem há quase 80 anos.
E não há quem arrisque o que acontecerá nas próximas semanas.
(Com: Canal Arte da Guerra; BBCBrasil; Salem Nasser e agências).
Luís José Bassoli é advogado, jornalista, professor de Geopolítica, ex-professor de Comércio Exterior da FATEC, pós-graduado em Didática para o Ensino Superior e colaborador do Tribuna.
Foto: ARIF HUDAVERDI YAMAN/ANADOLU




