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DECOLONIALISMO

Em julho de 2025, a França concluiu a transferência de poder de sua base militar no Senegal, encerrando 366 anos de presença física europeia no país, historicamente aliado de Paris. A retirada é parte da ampla evacuação francesa na África Central e Ocidental.

Nos últimos dois anos, tropas francesas deixaram seus postos no Chade, Costa do Marfim, Mali e Níger, dando fim a décadas de intervenções militares na região do Sahel.

Em 2022, as forças francesas se retiraram de Burkina Faso, após demandas do novo líder da nação, Ibrahim Traoré, que assumiu a presidência em decorrência de um golpe de Estado, que derrubou o antigo governo francófilo.

Estes eventos parecem confirmar uma ideia recorrente nos estudos geopolíticos do século 21: o Ocidente perdendo influência no Sul Global, que cada vez mais se organiza formalmente contra o Norte Global, cujo poder é considerado por muitos como comprometedor à estabilidade política e ao desenvolvimento econômico dos países constituintes.

UM POUCO DE HISTÓRIA
A presença francesa na África data do século 17, com assentamentos nos atuais Senegal e Madagascar. Em 1830, começa a conquista da Argélia, que se tornaria um departamento francês, linha de partida para o estabelecimento de um império francês no Continente Africano, estendendo-se do Mar Mediterrâneo ao Rio Congo, com posses adjacentes no Mar Vermelho e no Oceano Índico.

A Conferência de Berlim (1884-85), que reuniu 14 países que partilharam a África entre si, consagrou a posse francesa sobre as áreas citadas. A ideologia central do imperialismo francês era “civilizar” os povos africanos, através da catequização e da promoção da língua e dos costumes franceses. Resistência e revoltas contra a liderança de Paris deixaram milhões de mortos.

Após a Primeira Guerra Mundial, a França estendeu seus domínios na África com a tomada das colônias alemães. O império colonial francês teve papel muito importante na Segunda Guerra Mundial, ainda que pouco discutido. Após a vitória nazista sobre os franceses, em junho de 1940, foi instalado um governo fantoche alemão, intitulado “França de Vichy”, que assumiu o controle das colônias francesas, ao mesmo tempo em que o general Charles de Gaulle enfrentava dificuldades para estabelecer um governo-em-exílio em Londres.

O movimento gaullista, batizado de “França Livre”, era desafiado pela falta de legitimidade e de reconhecimento internacional, uma vez que as instituições francesas pré-guerra continuaram a operar em Vichy. Isto mudou em agosto 1940, quando as colônias da África Equatorial, comandadas pelo governador guianense Félix Éboué, declararam lealdade à França Livre, fortalecendo imensamente o movimento, que agora possuía um território a administrar e um exército organizado. A capital da França Livre foi transferida para Brazzaville (atual capital do Congo), estima-se que mais de 200 mil africanos lutaram pela França, em todas as frentes.

Em 1946, com o fim da guerra, a França procurou manter seu império, em meio à pressão internacional pela descolonização, elevando o status de suas colônias para “departamentos ultramarinos”. Este sistema se mostrou falho por diversos motivos, principalmente pelo desequilíbrio de poder entre a França metropolitana e os territórios, bem como o sucesso dos grupos secessionistas nas guerras de independência na Argélia e na Indochina.

O curso da então chamada “União Francesa” acabou sendo a concessão de independência à maioria de suas possessões, a partir de 1960. Entretanto, tais independências não foram conquistadas de maneira incondicional, a França estabeleceu acordos desiguais que comprometiam a soberania das novas nações. Por exemplo, a França seria responsável por imprimir as moedas dos recém-independentes “em troca” da adquirição de grande parte de seus recursos naturais, governos aliados à Paris seriam instalados e dariam livre acesso às forças militares francesas para operaram em suas terras, combatendo insurgências e movimentos contrários aos interesses do neocolonialismo.

Entre 1964 e 2013, a França realizou 25 operações militares nas ex-colônias na África. O declínio do sistema apelidado de “Françafrique” tem como base a insatisfação das populações locais, enfurecidas pela extrema desigualdade: enquanto a França enriquece com os recursos de seus países, estes continuam entre os mais pobres do mundo. Além disso, o fracasso francês nos últimos anos em conter golpes de Estado e insurgências expuseram uma exaustão de Paris em lidar com a conturbada política da região.

ATUALMENTE
Paris ainda imprime as moedas de 15 países na África Central e Ocidental, e possui duas base militares, uma no Gabão, e outra no Djibouti, o que pode mudar mais rápido que imaginamos.

Ibrahim Traoré, o mencionado presidente de Burkina Faso, tem se tornado inspiração não só para os africanos que vivem dentro das fronteiras da Françafrique, mas para todos do Continente. Com uma mensagem anti-Ocidental e pan-africanista, o líder é visto por muitos como modelo a ser seguido por outras nações, e as suas ideias parecem já ter feito diferença.

Em julho de 2024, Traoré se reuniu com os líderes do Mali e do Níger para formar a Aliança do Sahel, um pacto para resistir aos interesses das potências ocidentais. Ele busca aproximar relações com a Rússia, que vê a mudança de poder na região como uma oportunidade para ampliar o comércio e a influência política no futuro, e também com a China, que possui uma ampla estratégia geopolítica e geoeconômica com a África – o Continente parece estar firme no movimento do Sul Global, liderado pelo BRICS.

A França – e a União Europeia como um todo – perderam força, o que reacende a questão de que se seria possível, em meio ao afastamento dos Estados Unidos das políticas transatlânticas, a Europa se sustentar, por si só, como grande potência no cenário global.

Em relação os Estados Unidos, ainda é incerto como estes eventos os afetam, visto que os esforços geopolíticos de Washington estão voltados à América Latina e à Ásia-Pacífico. O presidente Donald Trump mantém uma relação complexa com Vladimir Putin e Xi Jinping, e a forma como seu governo reage aos movimentos de Moscou e Pequim pode variar.

Em se tratando de geopolítica, o futuro é sempre incerto, mas não seria utópico dizer que o sol da liberdade parece raiar sobre os céus da África.

  • (Ernesto Louzada Bassoli é estudante e colaborador do Tribuna).

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