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Crônica da semana por Nilton Morselli

A normalidade

Adoramos a normalidade, fazemos de tudo para atingi-la, mas eis a receita perfeita do enfado. No meu caso, o mais bem acabado exemplo são as férias. Não vejo a hora de ela chegar, mas passadas as duas primeiras semanas, já começo a contar as horas para voltar ao trabalho. Parece coisa de – falando em bom português – workaholic.

Claro que a relação com o trabalho não é igual para todos. Conheço gente que, digamos, não se acostuma de jeito nenhum. Por isso nem se arrisca. Há os que até descolam algum emprego de vez em quando, mas logo desistem, talvez porque o chefe, veja só, era metido a dar ordens.

Na outra ponta, há o tipo “pé-de-boi”, o “pau para toda obra”. Geralmente, são aqueles que não inventam desculpa para fugir do convite de um amigo para ajudar na mudança. São os mesmos que, por prazer, sacrificam o descanso dominical para encher uma laje alheia.

A categoria dos voluntariosos tem a minha admiração. Engajar-se numa instituição ou agir por conta para ajudar o próximo, sem qualquer interesse pessoal, está no último grau do altruísmo. Parece até que é fácil, mas voluntarismo exige coragem e compromisso. Do contrário, não passa de “fogo de palha”.

Que ninguém confunda normalidade com rotina, porque ambas se assemelham e se diferenciam por alguns detalhes. A rotina também pode provocar tédio, que atinge sobretudo os que desenvolvem atividades repetitivas. A hora não passa, a semana se arrasta. Fazer algo fora da rotina é a válvula de escape.

Já a normalidade é um conjunto de fatores que até são positivos, mas quando passam do ponto nos levam a pensar em estagnação, fadiga espiritual e, por fim, aborrecimento. É o tédio elevado à enésima potência. O descanso necessário não é o culpado, é bom ressaltar.

Você certamente já percebeu que as sensações de que a vida está devagar demais são provocadas quando nada de novo acontece. O resultado é a prostração. O prolongamento desse “estado de coisas” está no cerne da questão. Quase todo mundo já passou por isso pelo menos uma vez.

O trabalho, novamente ele, é o mais recorrente dos culpados. O cidadão sonha com determinado emprego, faz esforço para preencher a vaga, mas depois se aborrece com ele. O salário que um dia foi bom já não atende o novo padrão de consumo. Aí são dois caminhos: conformar-se ou partir para novos rumos. Saber se mexer faz toda a diferença.

Lamento informar que o mundo não é dos conformados. Os mais empreendedores é que ficam com as melhores partes dele, os prazeres e as maiores alegrias. Aquele que se ajeita nos braços quentes da normalidade recebe de brinde o eterno direito ao cochilo. É um prêmio de consolação.

Devemos os avanços da humanidade aos que “procuram sarna para se coçar”. Santos Dumont contornou a Torre Eiffel, se esborrachou entre as árvores, tentou de novo três meses depois e colocou seu nome na História. Ele podia ter torrado a grana do pai milionário e morrido no anonimato.

O exemplo é extremo, não é todo dia que alguém inventa o avião. Mas serve para ilustrar o quão importante é dar asas à imaginação, desde que se tire os projetos do papel. Não criaram nada melhor para espantar o tédio, que é o substrato da normalidade.

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