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Crônica da Semana por Nilton Morselli

O exato instante

Numa gradação de coisas ruins, nada supera ficar doente. Todo o resto a gente tira de letra. Falando em boa hora, nunca tive um problema sério de saúde, tirando a asma que me acompanha desde a meninice. Mas essa eu já aprendi a dominar, graças ao tratamento e aos avanços da medicina preventiva, que me garantiram nunca mais perder uma noite de sono, com uma falta de ar desgraçada.
Em matéria de preocupação, tive dengue duas vezes. A primeira vez em 2010 e a segunda em 2018. A primeira foi de lascar, vi a viola em caco. A outra, mais leve, durou o fim de semana do meu aniversário, quando tive de cancelar a comemoração – também seria a última celebração do meu pai, que não chegaria ao próximo 13 de maio.
Se adoecer traz a pior das sensações, para mim, o restabelecimento da saúde está no outro extremo – é o suprassumo da felicidade. Vejamos uma gripe, por exemplo, daquelas com o combo completo – febre, dor de garganta e de cabeça.
Acabo de sair de uma dessas. Foram dez dias de sintomas, às vezes alternados. Os testes para Covid deram negativo. Numa manhã de domingo, ainda antes de o sol nascer, a dor de cabeça insistente me fez recorrer a um comprimido de dipirona. Voltei a dormir.
Quando acordei com o sol que entrava pela janela esquentando os meus pés, um céu limpo e azul parecia refletir o estado geral do paciente. Pela primeira vez em dez dias nada mais me incomodava. Me apalpei para ver se estava vivo e levantei para ter certeza.
Estava, enfim, pleno de saúde novamente. Com energia sobrando, apetite de leão, todos os sentidos a mil, querendo vida, desejoso de sair por aí para respirar ar puro e recuperar o tempo perdido. Saí para caminhar, numa espécie de agradecimento.
O exato instante em que se passa da convalescença à plenitude representa o ponto culminante da alegria. É difícil descrever, até faltam palavras. O interessante é que tive exatamente as mesmas sensações ao fim dos dois períodos dengosos. Como pode um mosquitinho fazer tanto estrago?
Fico a imaginar como deve ser libertador para uma pessoa ouvir do médico a frase “parabéns, você está curado do câncer”. Ou “o transplante de coração foi um sucesso. Vida normal agora”. Ou então: “A medula pegou!” Certamente é um clímax, um êxtase, uma virada de jogo, uma carga de mil quilos tirada dos ombros.
Uma enfermidade vencida é uma grande oportunidade de comemorar a vida e agradecer a Deus pela saúde. Uma pedra no caminho que conseguimos chutar para o lado tem o propósito de nos lembrar que devemos cuidar do corpo e da mente, tanto quanto possível.
Um abuso aqui, um desleixo ali podem suscitar uma fragilidade que não daria as caras se fôssemos mais cuidadosos. Desde o ano passado, faço parte da turma que monitora os índices. Tirei nota máxima no teste cardíaco, correndo na esteira, de máscara. Embora tenha nascido comigo, meu coração é de uma pessoa de 20 anos, disse o médico. Bom começo.
O doutor perguntou se eu me exercitava, pois meu coração é de atleta. Respondi a plenos pulmões e com um pouco de orgulho: faço academia, o plano de saúde mais barato e a longo prazo que podemos ter. Sigo o conselho do Pedro Bial na famosa crônica, dou especial atenção aos joelhos para não sentir falta deles. E, claro, uso filtro solar e tomo vacina – todas as que posso.
Mas mesmo assim sabemos que de vez em quando a máquina dá uma emperrada e é preciso apelar para as caras poções mágicas da indústria farmacêutica. Mas enquanto forem intercorrências corriqueiras, ainda estamos no lucro. Que permaneça assim até quando Deus quiser.

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