Crônica da semana por Nilton Morselli
É junho, não agosto!
A querida leitora e o prezado leitor contam a idade a partir do dia em que nasceram ou a partir de quando completaram 18 anos? Tudo bem, muita gente mente a idade, mas só um pouco, porque é impossível esconder quase duas décadas –os sinais do rosto denunciam a esperteza. Claro que sua a resposta é: a largada na contagem do tempo sobre este vale de lágrimas é dada a partir de quando nossa santa mãezinha suportou as dores do parto para que viéssemos à luz, invariavelmente derramando lágrimas de emoção.
Pelo senso comum, chegar à maioridade quer dizer que estamos emancipados, ou seja, plenamente prontos para assumir direitos e deveres. Não é bem assim. A emancipação –se duvidar, pode olhar no dicionário– significa a libertação ou independência de alguém ou em relação a alguém. No Direito, a emancipação é o ato pelo qual as pessoas se tornam capazes na esfera civil antes da idade correta, ou seja, 18 anos. Você certamente já ouviu dizer que alguém com 16 anos só pôde se casar porque os pais concederam a emancipação.
Bem, chega de circunlóquio, sem mais delongas porque o papo é reto: por que Taquaritinga comemora a “emancipação político-administrativa” e não a fundação? Pelo que se sabe, essa história começou em 1956, quando se decidiu fazer a festa da cidade em agosto, no dia 16, data da tal emancipação. Se fomos legalmente emancipados, é porque éramos dependentes de alguém. Esse alguém era Jaboticabal, cidade da qual Taquaritinga foi distrito por 12 anos –de 16 de março de 1880 a 16 de agosto de 1892, quando ocorreu a tal emancipação– a instalação da Câmara deu-se em 22 de dezembro, ou seja, quatro meses depois.
Agora, amada leitora e caríssimo leitor, uma informação que você já deve saber. Jaboticabal, a nossa urbe-mater, comemora a fundação! Há poucos dias (16 de julho) os nossos vizinhos da Capital do Amendoim festejaram 197 anos, com seus famosos quitutes. Quase todas as cidades do mundo comemoram a fundação, e não a tal emancipação. Ou seja, essa expressão “emancipação político-administrativa” foi uma invenção sei lá de quem, não existe no escopo das leis que estão nas origens de Taquaritinga.
Quer outro exemplo? O Brasil existe desde o dia em que Pedro Álvares Cabral avistou a ilha de Santa Cruz (o portuga achou que isso aqui, com 8,5 milhões de quilômetros quadrados, era uma ilha!), a 22 de abril de 1500. A emancipação, ou seja, a independência foi a 7 de setembro de 1822. Ou seja, cara pálida, o Brasil fez 525 anos. A comemoração dos 203 anos da independência será outra coisa, não é data de nascimento do país.
O marco da fundação de Taquaritinga foi a doação dos 64 alqueires iniciais para a formação do povoado de São Sebastião dos Coqueiros (é Coqueiros e não Coqueirais, como escreveu o cônego Cavallini no hino, para rimar com “penhor a mais”, licença poética que leva dez de cada dez pessoas a erro). A ata da doação foi lavrada a 8 de junho de 1868. Portanto, camarades, todes precisam ficar sabendo (linguagem neutra detectada) que Ribeirãozinho, o nome adotado em 1880, já tinha 24 anos quando se tornou independente de Jaboticabal.
A minha opinião –que não vale nada, é claro– é que o nosso município deveria comemorar o aniversário em junho. Taquaritinga é de gêmeos e não de leão, o que astrologicamente e do ponto de vista da numerologia significa… nada! Não sei nem me interessa saber quem decidiu que a festa devia ser em agosto, o mês do cachorro louco, o mês do desgosto (não sou eu quem está dizendo, a superstição começou com os romanos, durante a Idade Antiga). Já completamos 157 anos. A tal da emancipação, “noves fora”, soma 133.
Não faltará quem diga: ai, mas é tradição! Amigo, até a festa do peão não é mais em agosto e ninguém reclamou. Você pode até achar que isso não é a coisa mais importante do momento, e não é mesmo, mas está na hora de darmos valor àqueles abnegados doadores de terra de 1868. O pessoal abriu mão de parte de suas posses para fundar uma cidade. (Hoje ninguém dá nada para ninguém –se der moleza, até tira.) O ato de generosidade, de desapego, de altruísmo, de benevolência, de cidadania, é solenemente esquecido. Ninguém acende uma vela para eles em 8 de junho. Fica a sugestão de transferir o feriado de 16 de agosto para 8 de junho. É uma questão de justiça e respeito à História.
Em matéria de mal-entendido, estamos bem servidos. A Lei Estadual 1.102-A, de 25 de novembro de 1907, elevou a cidade à categoria de Comarca e mudou-lhe o nome, de Ribeirãozinho para Taquaratinga. Isso mesmo: Taquaratinga. Está lá, na dita cuja Lei 1.102-A, que virou histórica porque revogada pela Lei 12.243/2006. Taquaritinga, com “i” depois do “r” era como o pessoal pronunciava. A fala popular (caipira) se sobrepôs ao nome verdadeiro. Não sei se é porque nos acostumamos com a pronúncia, mas Taquaritinga é bem melhor que Taquaratinga.
A escolha do nome também é um fato curioso. Quem decidiu, beeeemm democraticamente, foi o relator da Comissão de Legislação e Justiça do Congresso Legislativo Estadual, senador –equivalente hoje a deputado– Ignácio José de Mendonça Uchoa. Ele deve ter corrido os olhos numa listinha com nove substantivos –Renascença, Jurema, Itagaçaba, Itapera, Contendas, Itaperana, Itaperópolis, Tagaçaba e Taquaratinga– e falado “esse aqui tá bom”. Podia ter feito um plebiscito, consultado a numerologia, mas não. Foi decisão monocrática.
Foi também uma mudança drástica. De repente, Ribeirãozinho mudou de nome porque as encomendas despachadas para cá acabavam indo parar em Sertãozinho, que aliás manteve a singularidade sonora de aumentativo e diminutivo na mesma palavra. Mas Taquara(i)tinga era um termo desconhecido por aqui em 1907, e exige mesmo um certo contorcionismo linguístico para ser pronunciado pelos forasteiros. Enfim, o estranhamento passou e nunca mais ninguém falou em trocar o nome.
Pronto, falei!


							
							


