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Crônica da semana por Nilton Morselli

A caixa de morangos

No sábado, comprei uma caixa de morangos. As frutinhas, que são originárias da França e se adaptaram bem ao clima do Brasil e ao nosso paladar, eram destinadas a dar sabor extra a um bolo de chocolate. Estavam bonitas, bem vermelhas e graúdas. Mas, como acontece na maior parte das vezes, ao tirar os morangos da parte de cima, percebi que os estavam em baixo eram menores. Também havia alguns meio “passados”, com manchinhas escuras, tendendo ao apodrecimento.

Não foi surpresa. Quem nunca passou por isso? Já se compra um pacotinho de morangos com a convicção de que haverá uma camada com unidades viçosas e aparentes e outra mais sofridas, que se deseja esconder do freguês.

Como já tomamos isso por coisa corriqueira, não dá para ficar bravo. Enquanto preparava a massa do bolo, ia refletindo sobre a lógica da caixinha de morangos na vida dos seres humanos. Quem nunca teve (ou ainda tem) um moranguinho que precisa ir por baixo?

E talvez seja justamente esse medo de mostrar nossos morangos menos vistosos que nos faz, tantas vezes, forjar uma imagem impecável de nós mesmos. Exibimos apenas os frutos mais bonitos, como se a vida fosse uma feira onde a aparência define o valor. Mas, no fundo, sabemos que dentro da caixinha de cada um existe aquele moranguinho miúdo, um tanto machucado, que preferimos não deixar à mostra.

O curioso é que, muitas vezes, o que consideramos “estragado” nem seria visto assim pelos outros. Pode ser apenas uma mania que julgamos inadequada, um arrependimento antigo ou até uma palavra dita na hora errada que nunca mais saiu da memória. São coisinhas pequenas, mas que insistem em ocupar espaço, como se todo o brilho do restante da caixa dependesse do sumiço daquela única mancha.

Vale lembrar, no entanto, que um morango amassado não faz a caixa perder o sabor. Pelo contrário: é justamente a mistura dos perfeitos com os imperfeitos que compõe o todo da nossa história. E se cuidarmos para que eles não sejam predominantes, o restante seguirá viçoso, doce e convidativo. A vida não pede perfeição, exige apenas que sejamos honestos ao lidar com nossos frutos.

No fim das contas, o segredo é cuidar bem dos nossos morangos. Lavá-los com carinho, selecionar o que vale a pena guardar e não deixar que a parte boa seja sufocada por pequenos podres. Assim, não precisaremos esconder nada sob camadas de aparência. A nossa caixa de morangos —assim como a nossa vida— continuará sendo saborosa, verdadeira e digna de ser compartilhada.

Foto: Reprodução

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