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Crônica da semana por Nilton Morselli

O silêncio do mestre

Devo confessar: Luis Fernando Verissimo é a minha principal referência quando o assunto é crônica. Tentei imitá-lo, diligentemente, como se fosse possível chegar aos pés de um gênio que é filho de outro gênio. Coisa de adolescente. Quem escreve não é nem nunca será original, já que somos a soma dos estilos dos nossos mestres.

Há dias, soube pelo “Brasil de Fato” que Verissimo não escreve mais. Bem que havia notado que o seu perfil no Facebook –que sigo– não era mais atualizado. Aos 88 anos, o escritor gaúcho foi vencido pelo Parkinson e pelo AVC sofrido em 2021.

Tenho toda a sua obra na minha modesta biblioteca. Todos os livros, do primeiro ao mais recente. Das crônicas mais leves às mais politicamente agudas. Das histórias do Ed Mort e do Analista de Bagé, aos diálogos irreverentes em divãs e alcovas, entre frangos e cozinheiros, entre deuses e gente comum. E, claro, suas crônicas futebolísticas e filosóficas que perpassam a nossa realidade sempre crivada de excepcionalidades.

Silenciou também o sax, instrumento que ele tocava com a mesma elegância com que escrevia, tirando notas suaves, um tanto melancólicas, como se estivesse escrevendo no ar. O jazz, aliás, era a trilha sonora do seu pensamento –e agora é companhia constante dos seus dias, junto com as partidas de cartas no computador, os filmes e os jogos do Internacional de Porto Alegre, seu time do coração.

Ao lado de Lúcia, companheira de vida e de histórias desde 1963 –presente em muitas de suas crônicas– Verissimo vive hoje no tempo lento das lembranças e das pequenas alegrias. As palavras, essas que um dia ele domou com um humor refinado e uma inteligência devastadora, agora lhe escapam. Aquelas que ele dizia serem suas amantes, a quem servia como um “gigolô das palavras”, como um dia se definiu, já não se submetem mais à sua pena.

Mas não importa. Porque Verissimo está além do tempo. Sua obra permanece viva e atual. Ele falou de nós, do Brasil, da alma humana, da política, das relações e das pequenas misérias com um olhar generoso e uma ironia fina, que nos fazia rir antes mesmo de doer.

Luis Fernando Verissimo pode até não escrever mais, mas será sempre lido. Porque quem escreve como ele nunca sairá de moda. Suas palavras ficaram. E ficarão para sempre.

Foto: Arquivo Pessoal/Brasil de Fato

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