Crônica da semana por Nilton Morselli
Prazer que não vale o trabalho
Há 19 anos, não sou um tomador de cerveja. Mas, com a autoridade de quem bebericava, posso dar alguns pitacos. Do ponto de vista prático, fazer a bebida em casa não faz o menor sentido. Há, no entanto, quem pense o contrário, o que eu respeito.
Para começo de conversa, é um hobby caro. Não é como fritar um ovo ou preparar um macarrão – embora o resultado, nas primeiras tentativas, possa lembrar um pouco os dois. É um processo meticuloso, quase cerimonial, que exige tempo, paciência, equipamentos específicos e uma fé inabalável na transformação de um caldo turvo em algo remotamente parecido com cerveja.
Para começar, é preciso investir em um arsenal à altura de um laboratório de química: panelões, termômetros, densímetros, filtros, baldes com tampas vedantes e mangueiras misteriosas cuja função você só descobre quando já comprou. Além disso, há aqueles ingredientes cujos nomes você lê nos rótulos – malte, lúpulo, levedura – que precisam ser armazenados como relíquias sagradas. Tudo isso para produzir, se tudo der certo (o que é raro nas primeiras tentativas), dez garrafas de uma bebida que poderia ser comprada no mercado da esquina por um décimo do preço.
Um colega meu, empolgado pelo romantismo da autossuficiência etílica, embarcou nessa aventura. Nas duas primeiras vezes, o líquido fermentou errado e teve que ser descartado com honras fúnebres. Na terceira tentativa, já tomando bronca da mulher, criou acidentalmente algo que, segundo ele, parecia uma mistura de vinagre com sabão em pó. Um copo poderia render uma infecção intestinal ou algo pior.
Mas persistiu. Na quarta, finalmente, surgiu uma cerveja digna de ser bebida sem caretas. Rendeu dez garrafas. O custo total, somando os ingredientes, os equipamentos e o tempo investido (que também tem seu preço, especialmente quando se tem filhos ou uma série boa na fila), daria para comprar um Fiat 147. Péssimo custo-benefício.
Ele disse que a cerveja estava “ok”, o que é uma forma polida de dizer “não valeu nem a espuma”. No fim, o kit de fabricação caseira foi aposentado e hoje repousa num canto escuro da lavanderia, ao lado de um aparelho de fondue, uma pipoqueira elétrica, outros sonhos domésticos de curta duração e – claro – da bicicleta ergométrica. Logo aparecerá à venda nos Classificados da Coluna Dois Pontos.
Fabricar cerveja artesanal, descobriu meu amigo, é como tentar tocar saxofone sem nunca ter aprendido flauta doce. Exige técnica, dedicação e uma certa dose de teimosia. Pode até dar prazer, claro – como montar um quebra-cabeça de 5.000 peças que forma a imagem de um copo de cerveja. Mas dá trabalho. Muito trabalho. E, no fim, o brinde é mais para quem aprecia o processo do que para quem está com sede.
Respeito quem insiste na busca da quintessência que, estupidamente gelada, faz o brasileiro salivar. Mas, francamente, é mais fácil abrir uma long neck, escolhendo entre dezenas de marcas gourmets, que levam aveia, mel, trigo… A única coisa que exigem é algumas horas de refrigeração.
(Imagem gerada por IA)




