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Crônica da semana por Nilton Morselli

Siga o conselho de Nelson Rodrigues

Sim, estamos cumprindo o que nos propôs o jornalista e dramaturgo Nelson Rodrigues. Ele foi certeiro ao cunhar o célebre conselho aos jovens: “Envelheçam!” Pelo menos nas estatísticas populacionais, o Brasil está mudando de cara. Não é uma revolução de última hora, mas uma mudança sutil e contínua, que se desenha à medida que a pirâmide etária vai se transformando, um pouco como reflexo do “American Way of Life”, com as devidas adaptações latinas.
O país envelheceu. As famílias estão encolhendo, os filhos se tornaram mais raros e caros, e isso mudou a dinâmica social. A população brasileira, que antes se caracterizava por uma juventude abundante, agora está lidando com um número crescente de “jovens-velhos”, aqueles que, mesmo com a experiência da maturidade, continuam com a cabeça conectada à modernidade, antenados nas mudanças rápidas da tecnologia e no ritmo vertiginoso da transformação social.
O que será que isso significa para o futuro? Não faço a menor ideia – melhor deixar para os especialistas. Como o Brasil está se preparando para essa geração de velhinhos que sabe usar um smartphone, mas tem dificuldade em abandonar preconceitos e ideias politicamente incorretas é outra boa pergunta. Quem imaginava que os “pré-idosos” de hoje, a geração que nasceu nos anos 60 e 70, teria de aprender a lidar com o uso de inteligência artificial, a adaptação constante à economia digital e a busca por novas formas de interação social?
Quando Nelson Rodrigues pediu para que envelhecêssemos, ele não pensava em um envelhecimento de corpo, mas de espírito. O recado era para que aprendêssemos a curtir a experiência da vida ao máximo, amadurecendo e vivenciando tudo o que a existência tem a oferecer. Em muitos aspectos, é impossível conter a ação do tempo, por isso envelhecer é inevitável para quem tem o privilégio da longevidade – uma observação bastante óbvia, mas também tautologicamente sábia, porque só não envelhece quem morre cedo. Porém, é preciso fazer isso com qualidade para valer a pena.
Nós, os confessadamente maduros de hoje, estamos em vantagem numérica. Creio que ao morrer, em 1980, aos 68 anos – abaixo da atual expectativa de vida –, o “anjo pornográfico” nem imaginava um Brasil assim, com tantos nonagenários, muitos frequentando a academia de musculação. Mas Nelson já fazia outra projeção que se tornaria realidade: a de que os idiotas iriam tomar conta do mundo, não pela capacidade, mas pela quantidade. “Eles são muitos”, constatou. Desconfio de que alguns de nós da geração dos “pré-idosos” façamos parte dessa casta.
Seja como for, devemos entender que ficar velho não é apenas um processo biológico, mas uma questão de atitude – está aí a chave da exortação rodriguiana. O segredo é não perder a curiosidade, o tesão pela vida; é saber lidar com as mudanças sem deixar de viver as coisas boas de cada fase e entender os solavancos do caminho como coisa natural. Desculpe-me o leitor pela pretensão, mas me permita acrescentar um pequeno, mas significativo advérbio à sugestão do autor de “A vida como ela é…”: envelheçam bem!
E aqui cabem dois conselhos de outro gênio da literatura, Luis Fernando Verissimo, que vai deixar como legado um punhado de frases definitivas: “Não leve a vida tão a sério. Afinal, você nem sairá vivo dela”. O outro: “Conhece-te a ti mesmo, mas não fique íntimo”. Ou seja, quem tem a capacidade rir de si mesmo nunca perde tempo enchendo o saco de ninguém. E vou deixar uma que me ocorreu para fechar a crônica: envelhecer sim, envilecer jamais. Podem me citar para a posteridade.

(Imagem gerada por IA)

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