Crônica da semana por Nilton Morselli
De novo, rumo ao hexa
Li outro dia num jornal espanhol que Vinicius Junior ganha (em euros) R$ 10,5 milhões por mês para jogar no Real Madrid. Dentre os convocados nesta semana para defender a Seleção Brasileira, o atacante tem os maiores rendimentos. Os demais receberiam de R$ 100 mil a R$ 9 milhões em seus clubes.
A esta altura do campeonato, para usar uma expressão emprestada do esporte, a convocação nem seria a maior das preocupações. Pudera se o sofrido povo da nação verde-amarela tivesse de esquentar a cabeça somente com o futebol nacional, que tem feito vergonhas ultimamente, contrariando nossas tradições de pentacampeão.
Muita coisa vem antes na ordem de importância, em todos os níveis. Aqui em Taquaritinga, por exemplo, a situação parece que vai se acertando, depois da turbulência sem precedentes de 2024. Tomara. E também tomara que novos problemas não sejam surjam, porque a história tem provado que, a cada questão séria resolvida, dá-se causa a outras duas. E nunca se sai do lugar.
Bem, mas o motivo que colocou a convocação da seleção no centro das atenções foi o novo técnico. Depois de uma verdadeira novela, o italiano Carlo Ancelotti enfim chegou para tentar botar alguma ordem.
Para os nossos insucessos no campo de jogo, sempre se aponta a suposta falta de liberdade para o treinador convocar e até estabelecer o esquema tático. A CBF imporia condições, já teria uma lista prévia obrigatória e por aí vai. Não sei se acredito nisso. Técnicos do quilate de um Felipão, Tite e Luxemburgo não se curvariam a isso pelo salário. Ancelotti menos ainda.
A chegada dele ao comando da equipe gera uma expectativa imensa e, ao mesmo tempo, inédita. Trata-se da primeira vez que um estrangeiro estará oficialmente no cargo durante uma Copa. Ou poderá estar, porque as incertezas são a única certeza. O contexto, portanto, é histórico – e desperta tanto entusiasmo quanto apreensão entre os torcedores.
Ancelotti é um dos técnicos mais vitoriosos da história do futebol. Conquistou a Ligas dos Campeões, campeonatos nacionais em diferentes países e liderou equipes com grandes estrelas, como Milan, Real Madrid, Chelsea, PSG e Bayern. Sua chegada ao Brasil é vista como uma tentativa de recuperar o prestígio e a eficiência da equipe canarinho, que vive um jejum de títulos mundiais desde 2002.
O italiano é conhecido por sua habilidade em lidar com grandes jogadores e egos, característica essencial em uma seleção repleta de talentos individuais como Vini Junior, Rodrygo, Bruno Guimarães, Alexsandro e outros que despontam no cenário europeu. Os torcedores esperam que ele consiga extrair o melhor dessas estrelas, algo que nem sempre foi alcançado por técnicos anteriores.
A contratação de um estrangeiro representa uma ruptura com padrões antigos e sugere uma abertura da CBF a novas ideias. Por ironia, sua chegada coincide com o afastamento de Ednaldo Rodrigues, o principal artífice da contratação. O italiano agrada a uma parcela da torcida que vê na mesmice tática dos últimos anos uma das razões pelas quais o Brasil não tem sido protagonista nos grandes torneios.
Por outro lado, há quem questione – e com razão – o quão familiarizado Ancelotti está com o futebol brasileiro, com suas particularidades, pressão midiática e até o estilo de jogo mais “instintivo” que notabiliza o futebol nacional. A torcida brasileira é conhecida por sua exigência. E agora, com um técnico de renome internacional, essa cobrança pode atingir níveis ainda mais altos. A pressão por resultados rápidos será intensa.
A expectativa em torno de Carlo Ancelotti é, ao mesmo tempo, um reflexo da esperança e do desespero do torcedor brasileiro por um novo ciclo vitorioso. Ele representa uma aposta ousada e de alto risco, mas que pode recolocar o Brasil no topo do futebol mundial – ou alimentar ainda mais o debate sobre a identidade e o futuro do futebol brasileiro. O tempo dirá se o charme italiano será o tempero que faltava à seleção.
Mas o que tem a ver tudo isso com o salário que essa galera da chuteira milionária recebe? O dinheiro deles vem dos clubes. A seleção é um contrato de risco, que oferece um bônus em caso de conquista. Joga-se para servir à Pátria. Portanto, que entrem em campo colocando o amor pelo país em primeiro lugar, dando o melhor de suas habilidades, para um dedinho de felicidade dos compatriotas que não ganham em uma vida o que eles ganham em um mês.
Foto: Rafael Ribeiro/CBF




