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Crônica da semana por Nilton Morselli

A tigela de vidro

Perto do Dia das Mães, o cronista deve escrever sobre a data. É uma regra? Sim, uma das muitas regras não escritas que vigoram na imprensa. É normal quem se acostumou com o dia a dia do jornalismo pegar carona em alguma efeméride próxima para preencher o espaço em branco na página.
Mas vai daí que é necessário angular, encontrar o tema dentro do tema, para desenvolver um texto que fique à altura do que o leitor espera. Convenhamos que não é fácil tirar da manga algo inédito ou inusitado quando se trata do Dia das Mães, data que já inspirou os mais talentosos escritores.
Foi aí que me lembrei de um diálogo que tive, há poucos dias, com a mãe do Arthur. A mãe do Arthur é a minha amada Paula Maria, uma mulher exemplar, que faz tudo pelo filho, que se desdobra para prepará-lo para a vida e para o mundo.
Como estava dizendo, outro dia contava para a minha cara-metade o que fiz com o primeiro salário do meu primeiro emprego, numa oficina de caminhões, aos 11 anos de idade: comprei um presente de Dia das Mães para dona Nadir. Ela gostou, é claro, mas disse que eu não precisava ter gastado o dinheiro com isso.
Era uma tigela de vidro redonda, multiuso. Com aqueles caraminguás minguados que eu recebia, foi o que deu para comprar. Fiquei duplamente feliz – pelo gesto em si e por ter conseguido presenteá-la sem pedir dinheiro para ninguém da família.
Minha genitora não está mais aqui para tirar a dúvida, mas acho que a felicidade dela foi mais por isso também – e não pela tigela sem tampa. Creio que deve ter passado por sua cabeça que eu era apenas um menino ainda (o quinto de um total de seis), mas que já ia me encaminhando, e que seus métodos estavam funcionando bem.
É chover no molhado dizer, às vésperas do dia delas ou a qualquer tempo, que as mães se alegram quando percebem que entregaram bons filhos ao planeta. Isso é muito óbvio, porque é o maior objetivo da mulher que se torna mãe. Elas fazem de tudo por nós – dão, muitas vezes, a vida. Que me perdoem as feministas, mas o resto até se torna meio supérfluo.
Quando acontece o contrário, quando uma de suas crias se desvia do caminho, elas se punem. Por mais que saibam que se esforçaram ao máximo para o trem não descarrilar, sentem uma dor imensa, que as faz verter lágrimas de esguicho. Porém, em nome do amor, nunca desistem: vão em busca da ovelha desgarrada nem que essa seja sua última missão.
Nos poucos anos em que pude conviver com a minha, a grande preocupação era não desapontá-la, pois ninguém merece sofrer a dor da ingratidão. Hoje, tenho a impressão de que sabia que ela partiria cedo. Ela também, embora nunca diria isso às suas eternas crianças.
Mas se você acha que o primeiro presente de Dia das Mães que dei a ela foi o apetrecho de cozinha, está enganado. Foi bem antes, há exatamente 50 anos, e nem dera ainda a primeira mamada, que dirá os primeiros passos. Pode parecer excesso de personalismo da minha parte – e é. Pesava quase 3 quilos o presente, que ela alimentou durante os 9 meses do meu vidão gestacional.
Sim, quando nasci, aquele domingo, 11 de maio, era Dia das Mães. Tenho certeza de que ela se lembrou disso e das dores do parto normal, quando lhe entreguei a tigela que um dia certamente se reduziu a cacos varridos para a lata de lixo. Desculpe-me pela pretensão e pelo trocadilho, mas foi por essas e outras razões que sempre me recusei ser um filho de “meia-tigela”.
Meio século depois, o segundo domingo de maio cai novamente no dia 11. Aproveito para desejar um feliz Dia das Mães a todas essas abnegadas que, antes de apenas desejarem um mundo melhor para os filhos, ocupam-se em deixar filhos melhores para o mundo.

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